eletrocussão

Um leitor nos questionou sobre o uso da expressão eletrocutado para quem morre com uma descarga elétrica provocada por um fio desencapado. Disse-nos que eletrocutado é aquele que morre na cadeira elétrica. Para descargas elétricas deveríamos utilizar eletroplessão. Realmente, no dicionário Aurélio consta eletroplessão como a morte ocorrida devido a uma descarga elétrica. Mas vamos dizer o quê? Que o cara foi eletroplessado?

Nunca vi isso! Ou só podemos dizer que ele “sofreu uma descarga elétrica” — para não dizer que foi eletrocutado? Um abraço e muito obrigada! 

Marina G. — Jornal do Bairro — São Paulo

Minha cara Marina: esse teu antipático leitor está apenas seguindo uma velha opinião dos puristas, que sempre implicaram com eletrocutar. O verbo veio do Inglês electrocute, constituído pela soma dos elementos [electro+cute] (o final de execute, “executar”), um neologismo criado em 1889. É verdade que, originariamente, este verbo tinha o significado específico de “executar um criminoso por eletricidade”. Em pouquíssimo tempo, contudo, à medida que os usos da eletricidade se difundiam por todo o planeta, o verbo passou a ser usado para designar qualquer morte causada por descarga elétrica. Como sempre, a língua se adaptou às mudanças do mundo real. O substantivo derivado, electrocution, passou a servir para qualquer morte por eletricidade — quer para mortes acidentais, quer para suicídio, quer para homicídios, quer, até mesmo, para a exótica morte causada pela descarga de peixes elétricos, como o nosso poraquê. Entre as línguas latinas, além do Português, adotaram os mesmos vocábulos o Espanhol (electrocutar, electrocución), o Francês (électrocuter, électrocution) e o Italiano (elettrocuzione).

No Cambridge International Dictionary, o exemplo dado em Inglês é “He was electrocuted (=killed by electricity) when he touched the bare wires” (“Ele foi eletrocutado (=morto por eletricidade) quando tocou nos fios desencapados”. Na Itália, equipamentos elétricos podem trazer etiquetas que alertam para o “pericolo di elettrocuzione” (“perigo de eletrocussão”). Na França, os serviços de emergência reanimação distinguem a électrisation — as diferentes manifestações fisiopatológicas devidas à passagem da corrente elétrica através do corpo humano — da électrocution, que é a morte em conseqüência da électrisation; seus manuais alertam contra os perigos do equipamento elétrico dos blocos cirúrgicos e dos serviços de reanimação, já que desfibriladores e bisturis elétricos podem électrocuter pacientes ou membros da equipe. Como se pode ver, o uso é universal.

No Português, houve as habituais reações conservadoras contra eletrocussão; ora, como sempre acontece, os opositores da nova forma tiveram de oferecer uma alternativa própria — e criaram o horrendo eletroplessão, formado arbitrariamente de [eletro+plessão] (do Grego plessein, “ferir”), adotado por muitos médicos legistas, que reservam eletrocussão especificamente para a morte na cadeira elétrica. Aquela criação, artificial e doméstica, que os dicionários de Portugal não registram (a bem da verdade, contudo, devo assinalar que um importante filólogo da terra de Camões sugeriu, por sua vez, um não menos horrendo eletrocidar…), tem a desvantagem de produzir um verbo inviável, eletroplessar (?). Basta comparar eletrocuto, eletrocutas, eletrocuta, com eletroplesso, eletroplessas, eletroplessas, para ver qual dos dois é o sobrevivente. Tens toda a razão, Marina: “Ele morreu eletroplessado” é de amargar! 

No Aurélio e no Houaiss, os dois sentidos de eletrocussão, eletrocutar são registrados: tanto a execução penal quanto a simples morte por eletricidade. No Dicionário Médico, de Rodolpho Paciornik, vemos “eletrocussão [De eletro+ execução] — O ato de matar por meio de uma corrente elétrica. Poderá ser acidental ou no cumprimento de uma sentença legal de pena de morte”. O Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora, traz simplesmente “morte por meio da eletricidade”. O INSS e os organismos oficiais de controle de acidentes de trabalho falam só de eletrocussão. O que mais quer esse teu leitor? Grande coisa que eletrocutar, ao nascer, quisesse dizer “executar por escarga elétrica”; as palavras mudam e ampliam seu significado, e não adianta espernear contra isso. Ou esse teu leitor vai exigir que as rubricas voltem a ser feitas em tinta rubra (como eram, inicialmente), ou que o pontífice volte a cuidar das pontes (como na Roma Antiga), ou que se volte a bordar apenas nas bordas do tecido? Abraço. Prof. Moreno

Depois do Acordo: conseqüência > consequência