Surpresas etimológicas

Quem estuda a etimologia das palavras faz, muitas vezes, o trabalho do arqueólogo, pesquisando o passado remoto do idioma para encontrar significados que o tempo escondeu de nós — como o de buzinar, que significava, inicialmente, soprar num búzio para fazer um som parecido com o de uma trombeta. Outras vezes, faz o trabalho do genealogista, sempre buscando semelhanças entre as palavras, a fim de reconhecer parentescos que nos tinham passado despercebidos — como atropelar, que vem de tropel. Em muitos casos, contudo, o trabalho do etimologista se assemelha mais ao de um detetive, de um verdadeiro Sherlock Holmes do idioma, investigando todas as hipóteses, interrogando as línguas vizinhas, vasculhando velhos registros nos dicionários do Grego e do Latim até encontrar a pista que vai levá-lo à solução do problema. Aqui vão alguns exemplos de mistérios já resolvidos.

salada — Vem do Italiano insalata (literalmente “salgada”), termo que designava um prato de legumes salgados e condimentados que surgiu durante o Renascimento. Inicialmente, os legumes eram cozidos e curtidos no vinagre e na salmoura, como uma espécie de picles; no entanto, o prato logo passou a ser feito com legumes crus, dentro da antiga tradição romana, temperados com sal, azeite e vinagre. Com o tempo, o termo foi ampliado para outras misturas vegetais, chegando até a salada de frutas, que evidentemente não tem nada a ver com o sal do nome primitivo. 

gorjeta — Vem de gorja, sinônimo desusado de garganta, de onde proveio também o gorjeio dos pássaros. A gorjeta era uma pequena quantia que se dava a quem tivesse realizado trabalho extenuante e cansativo, a fim de que ele comprasse uma bebida para molhar a garganta.Embora hoje a gorjeta tenha perdido essa destinação líquida, percebe-se ainda um vestígio desse antigo hábito em expressões do tipo “para um cafezinho”, “para uma cervejinha”, que pronunciamos sem pensar quando gratificamos alguém. Não é por acaso que gorjeta, em Francês, é pourboire, literalmente “para beber”.

torpedo — Vem do Latim torpedo, nome dado antigamente aos peixes-elétricos (dos quais o nosso poraquê é um bom exemplo). Sua descarga elétrica, que chega a 650 v, é suficiente para adormecer ou mesmo paralisar o braço de quem o toca. É, portanto, da mesma família de torpor e entorpecimento. O artefato explosivo usado pelas marinhas de guerra ganhou esse nome por causa da forma alongada e da maneira como se desloca na água, semelhantes à do peixe. 

bombástico — Do Latim bombax (“algodão”) derivou-se o Inglês bombast para designar o enchimento de algodão ou de qualquer outro material fibroso que era usado para acolchoar roupas e edredons. O termo foi aplicado, por metáfora, ao estilo empolado e cheio de artifícios de quem pretende impressionar o ouvinte: um discurso bombástico é palavroso e vazio. Entretanto, por sua semelhança com bomba, o termo acabou assumindo o significado de “explosivo”: uma notícia bombástica é estrondosa e surpreendente. 

horripilante — É formado a partir de dois elementos latinos: horrere (“eriçar, tremer”) mais pilus (“pêlo, fio de cabelo”). O primeiro está presente também em horror e horrível, enquanto o segundo aparece em depilar e pilosidade. Literalmente, portanto, aplica-se o adjetivo horripilante a tudo aquilo que deixe os cabelos em pé ou que arrepie a pele. 

floresta — Veio do Latim forestis, adjetivo derivado de foris (“fora”), que aparece na expressão silva forestis (literalmente, “mata exterior”). Esse era o nome dado aos territórios em que só o rei estava autorizado a explorar a caça e a extração de madeira, ficando, portanto, fora dos limites da área comunitária (a silva communalis). Essa idéia de algo exterior à comunidade pode ser vista também em forasteiro, que tem o mesmo radical. Entrou como forest no Inglês, foresta no Italiano, forêt no Francês e foresta no Espanhol; no Português, porém, ganhou um L e virou floresta, provavelmente por influência de flor

obelisco — Vem do grego obeliskos, diminutivo de obelos (“espeto”). Embora os obeliscos sejam, em geral, monumentos de grande altura, na forma de um pilar de quatro lados que vai afunilando até o topo, onde termina em ponta, o seu nome significa, literalmente, “espetinho”. Jacques Lacarrière, grande especialista em Cultura Clássica, diz que foi por ironia que os gregos os batizaram assim, a fim de diminuir o impacto que sentiram ao conhecer os colossais monumentos egípcios.

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