pronúncia de óbvio

Prezado Doutor: uma de minhas professora pronunciou a palavra óbvio sem o B (/óvio/). Olhou para a turma esperando um comentário e foi logo dizendo que essa era a pronúncia correta, o contrário era inadmissível. Disse desafiar qualquer um a esse respeito e que aprendeu a “pronúncia correta” com professor de Lingüística da Faculdade. Achei horrível mas não tive como argumentar. Será que você poderia me ajudar quanto à pronúncia correta? Ainda, será que a pronúncia em Portugal é /óvio/? Espero que possa me ajudar. De qualquer maneira, muito obrigada.”

Luciana V. Sorocaba (SP)

Minha cara Luciana: não posso imaginar de onde tua professora foi tirar essa preciosidade; cá entre nós, aquela alegação de que tinha aprendido essa pronúncia com “um professor de Lingüística” só pode ser fantasia, porque nenhum profissional dessa área, em seu são juízo, iria defender uma coisa dessas. Vamos conceder à tua mestra, no entanto, o benefício da dúvida, e imaginar que tenha ocorrido uma pequena confusão de conceitos, como passo a explicar. 

Já tive ocasião de escrever sobre os encontros consonantais imperfeitos (como, por exemplo, FT, TM, GN, DM, BT, etc., em afta, istmo, indigno, admirar, obturar). Como esse tipo de encontro não se enquadra nos padrões silábicos que existem na fonologia do Português, o falante automaticamente intercala a vogal /i/ entre as duas consoantes, desmanchando assim o encontro e formando duas sílabas com o padrão normal: pronunciamos afta como /á-fi-ta/; istmo vira /ís-ti-mo/; admirar vira /a-di-mi-rar/; e assim por diante (dá uma lida em encontros consonantais e em optar e indignar). Nota que isso acontece na fala de todos nós, sem exceção; alguns juram que não ocorre com eles, mas sabemos que a crença dos falantes sobre a sua própria linguagem é geralmente idealizada. Mesmo assim, recomenda-se que as pessoas instruídas, ao usarem uma fala mais cuidada, tratem de manter o mais discreta possível essa pequena vogal. Na minha pronúncia do verbo obturar (/o-bi-tu-rar/), aquele /i/ fica muito reduzido, a custo perceptível; no entanto, conheço pessoas que o pronunciam com tal entusiasmo que o verbo fica parecendo um derivado de óbito

E aqui vem a minha hipótese: a recomendação que a tua professora recebeu do lingüista, a observação que ela pretendia fazer na tua sala de aula era “não carreguem nesse /i/ epentético, mantenham-no reduzida ao mínimo”. Contudo, deve ter havido uma pequena confusão, e ela terminou falando em eliminar o /b/! Se procurares no Houaiss ou no Aurélio, não vais encontrar indicação sobre pronúncia desse adjetivo (imagino que os dois autores não julgassem necessário…). Indo, no entanto, ao Dicionário da Língua Portuguesa, de Antenor Nascentes, que indica a pronúncia de todos os vocábulos, vais ver que o /b/ continua a ser ouvido. Perguntas sobre Portugal? Para nossa felicidade, o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, publicado pela Academia de Ciências de Lisboa, resolveu incluir, para cada palavra, a transcrição fonética da pronúncia lusitana — e lá o /b/ também é pronunciado! O mais perto que vais chegar de /óvio/ (credo!) é o Espanhol, em que formas como obvio e obscuro podem também aparecer em variantes (menos usadas) ovio e oscuro. Confesso-te que já ouvi óbvio sem o /b/, mas sempre em tom de brincadeira (“é óvio, né?”); em cartas e e-mails particulares, inclusive, as pessoas escrevem óvio, de pura galhofa, mas sempre entre aspas — exatamente porque estão transgredindo conscientemente a norma, para obter um efeito humorístico. Até acho possível que possamos encontrar, no nosso imenso Brasil, alguma comunidade específica que elimine esse /b/ na sua fala espontânea — mas isso não serviria de base para uma afirmação tão dogmática a respeito de como essa palavra deve ser pronunciada no Português usual. Nessa história toda, alguém se equivocou: ou tu mesma, ou a professora, ou o lingüista. Abraço. Prof. Moreno

P.S.: uma característica notável da nossa ortografia (no Brasil) ganhou notoriedade, na discussão das bases do novo Acordo: aqui, desde 1943, não escrevemos nenhuma consoante que não seja pronunciada. Em outras palavras, o sistema usado no Brasil, ao contrário do sistema português, tinha eliminado as consoantes mudas desde 1943 (e por isso o Novo Acordo está trazendo tantos incômodos para nosso país irmão, maiores ainda do que os que nos couberam!). Ora, se sempre escrevemos óbvio com B, é porque aquele B deve ser pronunciado. 

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