Esposas

Esposas - Edu

 

Baseado na etimologia, um leitor alega que o termo “esposa” designa a mulher prometida em casamento, não devendo ser empregado para as que já estão casadas.  

Um fiel leitor desta coluna, L. Barros, de Pelotas, pede minha opinião sobre um ponto que ele julga controverso: “Ainda ontem li outro colunista do jornal Zero Hora falando sobre sua esposa de tantos anos. Volta e meia corrijo algum amigo dizendo que esposa é a mulher que está casando, isto é, a noiva; depois do casamento os cônjuges passam a se chamar marido e mulher. Sempre atribuo a um certo “respeito” o fato de chamarem a mulher de esposa, como se o termo mulher fosse depreciativo. Por isso, para esclarecer para sempre esta questão, pergunto se podemos mesmo chamar nossos cônjuges de esposo ou esposa”.

Prezado leitor, acho que você está levando a sério demais a etimologia do termo. Como todos sabem, são incontáveis os casos em que o passar do tempo modifica o sentido original das palavras. É verdade que esposa vem do Latim sponsa (“prometida”), feminino de sponsus, do verbo spondere (“prometer solenemente”), mas o Português e as suas irmãs, ao herdarem o vocábulo da língua-mãe, passaram a usá-lo principalmente no sentido de “mulher casada” — épouse (Fr.), sposa (It.), esposa (Cat. e Esp.).

No nosso caso, desde o séc. 15 (antes mesmo do Brasil ser descoberto!) usamos esposa e mulher como sinônimos. Vercial, no seu tratado de liturgia (séc. 15), ao descrever o sacramento do matrimônio, recomenda: “publicamente deve assim dizer: eu te recebo por meu esposo e marido, e ele deve dizer: eu te recebo por esposa e mulher“. O padre Vieira (séc. 17) deixa bem claro: “respondeu que se não queria descasar de sua esposa“. A Bíblia, em suas inúmeras versões, ora usa um, ora usa outro, como, por exemplo, em Salmos 109,9: “Que seus filhos fiquem órfãos, viúva sua esposa” (Católica); “Sejam órfãos os seus filhos, e viúva sua mulher” (Ferreira de Almeida). Como se pode ver, em princípio a escolha é livre.

É evidente, porém, que essa livre escolha pode estar condicionada, em cada situação, por todas aquelas forças sociais e psicológicas que interferem no uso que cada um faz das palavras. Como você muito bem reparou, caro leitor, o termo esposa é considerado por muitos uma forma mais refinada de chamar a sua cara metade. Balzac, em 1830, descrevendo um burguês parisiense, ressalta que ele vai sempre usar o termo esposa (épouse) no lugar de mulher (femme), que ele considera vulgar e descortês.

Além disso, há casos em que o termo mulher pode não deixar claro se estamos falando do feminino de marido ou de homem: “Fulano teve várias esposas” não deixa dúvida, ao contrário de “Fulano teve várias mulheres“. Hoje, mais do que nunca, o termo esposa contrasta com as inúmeras formas não tradicionais de relacionamento entre os casais modernos. Quem diz “Apresento minha esposa” quer, conscientemente ou não, subentender que ele e sua consorte estão casados oficialmente — o que não está implícito no conceito (muito mais amplo) de “minha mulher”, que engloba tanto as esposas quanto as companheiras, as namoradas, as parceiras, as “queridas”, os “rolos”, e todas as outras formas  de convívio que nossa imaginação afetiva puder criar.