epônimos

Irmão do sinônimo e do antônimo, o termo epônimo designa, em geral, todo o vocábulo que nasceu a partir do nome próprio de algum personagem real ou fictício. Poderíamos chamar de epônimos vocábulos como darwinismo, freudiano, shakespeariano, que derivam do nome de autores famosos; são incontáveis também os epônimos científicos, pois centenas de pesquisadores deixaram sua marca no vocabulário médico (mal de Parkinson, trompa de Falópio, síndrome de Down); nas classificações da Botânica e da Zoologia, esse número chega a muitos milhares. O verdadeiro epônimo, contudo, é aquele vocábulo comum, bem conhecido, que foi extraído do nome de alguém que realmente viveu, uma pessoa em carne e osso que ficou, assim, imortalizada no material indestrutível das palavras. 

Nem sempre esta honra foi atribuída a quem a merecia. No batismo de objetos e aparelhos, por exemplo, em que o natural seria usar o nome de seu inventor (código morse, alfabeto braile), houve casos em a tradição ou a opinião popular terminaram privilegiando nomes de pessoas que apenas divulgaram a invenção ou a tornaram famosa, como a guilhotina ou o sanduíche

rastafári — Este movimento, que a maioria associa a Bob Marley, ao reggae e à Jamaica, significa muito mais do que manter o cabelo preso em trancinhas e usar gorros multicoloridos. Suas verdadeiras raízes estão no antigo império da Etiópia, visto pelos escravos e seus descendentes (principalmente os da zona do Caribe) como o símbolo de uma supremacia negra que remonta ao tempo do lendário Rei Salomão. Quando o Ras (“príncipe real”) Tafari Markonnen assumiu o trono em 1930, com o nome de Halié Selassié, foi saudado como o novo Messias, destinado a liderar as minorias negras oprimidas ao esplendor dos antigos reinos africanos. O Ras Tafari foi deposto e morreu na prisão, mas o movimento imortalizou seu nome, pregando o combate à opressão do povo negro, numa vida que opõe a simplicidade da natureza ao consumismo desenfreado da civilização branca.

guilhotina — Seu inventor, ao contrário do que se pensa, não foi o dr. Guillotin, mas o dr. Antoine Louis, secretário da Academia de Medicina. Em plena Revolução Francesa, o dr. Guillotin apenas sugeriu à Assembléia que se adotasse uma forma de execução mais rápida e menos infamante que a forca; a máquina projetada por Louis, com uma pesada lâmina de corte oblíquo, foi aprovada e entrou em funcionamento em 1792, separando milhares de cabeças de seus respectivos donos, inclusive a de seu inventor. Depois que o dr. Guillotin morreu de câncer, em 1824, os filhos pediram ao governo que mudasse o nome do sinistro instrumento, mas este já estava tão enraizado na língua francesa que, por ironia, eles só obtiveram a permissão de mudar seus próprios nomes.

zepelim — Até o final do séc. XIX houve várias tentativas de construir balões que fossem dirigíveis e se deslocassem com rapidez. O maior problema enfrentado, contudo, era a resistência do ar, que fazia o balão se deformar completamente — às vezes até dobrando-o em dois — mal a velocidade começava a aumentar. A solução foi encontrada em 1900 por um militar alemão, o Conde von Zeppelin, que construiu uma estrutura rígida de alumínio, recoberta de tecido, com a forma de um imenso charuto, dentro da qual ia o hidrogênio (gás que era usado para a sustentação) dividido em várias células independentes. Apesar de seu tamanho impressionante — chegava a mais de 100 metros de comprimento —, o dirigível de Zeppelin era muito mais seguro e aerodinâmico que todos os seus predecessores. Batizado de LZ (sigla em que a primeira letra representa luft, “ar” m alemão, e a segunda é a inicial do inventor), o zepelim foi utilizado, até a década de 30, nas primeiras linhas de transporte aéreo, atendendo a mais de 30.000 passageiros. Seu potencial militar, contudo, era pequeno, como ficou demonstrado na 1ª Grande Guerra (1914—1919), quando os grandes dirigíveis alemães não foram páreo para os ágeis biplanos e monoplanos que lutavam nos céus da França. 

diesel — Embora muitos tenham trabalhado no projeto de um motor de combustão interna, foi o engenheiro alemão Rudolph Diesel quem desenvolveu e patenteou o motor que hoje leva o seu nome. O combustível que Diesel tinha em mente eram os óleos vegetais: quando demonstrou seu projeto, na exposição de Paris, em 1900, o motor era movido a óleo de amendoim. No entanto, depois de sua morte, em 1913, a indústria do petróleo encampou sua invenção, modificando o motor e produzindo para ele um derivado do petróleo que batizou de diesel fuel. A idéia original de usar óleos vegetais, renováveis e não-poluentes, foi retomada nos últimos anos com a utilização do biodiesel, hoje comercializado na Europa e na América.

grogue — O almirante Edward Vernon (1684—1757) era conhecido na Marinha Inglesa pelo apelido de “Old Grog“, por causa do inseparável capote de gorgorão (em inglês, grogram) que ele vestia quando soprava a tormenta. Nesta época servia-se, a bordo dos navios de Sua Majestade, uma generosa ração diária de rum, o que explica a lendária fama de beberrões que os marujos ingleses têm até hoje. Para combater a embriaguez, Old Grog mandou diluir o rum com água, em partes iguais, acrescentando à bebida um pouco de suco de limão ou de lima, recurso muito empregado para combater o escorbuto. Embora criticada por todos, a mistura — agora chamada de grog (grogue) — passou a ser uma eficiente defesa contra os ventos gelados da Antártica nos navios que contornavam o Cabo Horn, na ponta da América do Sul, principalmente quando servida fervendo, adoçada com açúcar mascavo. O velho almirante tornou-se inesquecível, porque o grogue é bebido até hoje nas estações de esqui, além de ser um adjetivo muito usado em nosso idioma, com o sentido de “tonto, atordoado”. 

braile — O alfabeto que permite aos cegos ler com a ponta dos dedos recebeu o nome de Louis Braille, que inventou esta forma de representar cada letra por um conjunto de pontos em relevo. A idéia de um alfabeto táctil já tinha sido concebida por um oficial de artilharia francês, Charles Barbier, que procurava uma forma segura de ler mensagens no escuro das trincheiras ou do campo de batalha, sem atrair o fogo inimigo com a luz de uma lanterna. O capitão intuiu a possível utilidade de seu sistema, batizado de “sonografia”, para a educação dos cegos. Louis Braille, ele próprio cego de nascença, tinha 12 anos quando o sistema Barbier foi introduzido em sua escola. Depois de usá-lo por alguns anos, Braille aperfeiçou-o de maneira decisiva: substituiu a representação fonética do método original pela representação alfabética e reduziu os 12 pontos de Barbier a apenas 6, dispostos em duas linhas horizontais de três — cujas combinações são mais do que suficientes para representar as letras, os algarismos e até as notações musicais. 

chauvinismo — (diga /xôvinismo/, /xôvinista/) Chamamos de chauvinista alguém cegamente patriota ou rigidamente convencido da superioridade do grupo a que pertence. O termo deriva de Nicolas Chauvin, um soldado do exército napoleônico, cuja história verdadeira misturou-se à lenda de uma forma inseparável. Chauvin, que sentou praça ainda adolescente, lutou em diversas campanhas e ficou severamente mutilado, depois de ser ferido 17 vezes em combate. Por sua bravura, o nome de Chauvin, que foi condecorado pessoalmente por Napoleão, era visto como um símbolo do soldado francês valoroso. No entanto, à medida que várias peças do teatro cômico e de vaudeville começaram a ridicularizar o personagem, apresentando-o como ingênuo e fanático, o termo foi adquirindo o valor negativo que tem hoje. Modernamente, o chauvinismo está associado ao sentimento ultranacionalista de certos grupos, que os leva a odiar as minorias e a perseguir estrangeiros. O Women’s Lib, movimento de emancipação feminina da década de 70, imortalizou sua crítica aos machistas ao denominá-los de porcos chauvinistas

cesariana — O nome desta cirurgia, infelizmente tão freqüente no Brasil, é associado ao grande imperador romano Júlio César, que teria nascido desta maneira. Sabe-se, no entanto, que a Medicina antiga só utilizava este recurso quando não havia mais esperança de salvar a mãe – e Aurélia, a mãe de César, viveu o bastante para vê-lo adulto. Outra hipótese é a de que o nome venha do decreto imperial (ou cesáreo) que determinava que o corpo de uma mulher grávida morta não podia ser enterrado até que o bebê fosse dela separado. 

daltônico — Quem sofre de daltonismo tem dificuldade para distinguir algumas cores; apesar de se manifestar em diferentes graus, o caso mais comum é enxergar o verde e o vermelho como cores idênticas. O nome veio de John Dalton (1766-1844), famoso químico, matemático e físico inglês, que resolveu pesquisar sobre o problema que afetava tanto ele quanto o irmão. Em 1794, ele publicou Extraordinary facts relating to the vision of colours, o primeiro trabalho científico sobre esta cegueira para cores, que terminou levando o seu nome.

sanduíche — O nome vem de John Montagu, Conde de Sandwich (1718-92), o mesmo que deu o nome às Ilhas Sandwich, hoje o arquipélago do Havaí. No meio de um jogo de cartas que se estendeu por quase dois dias, o famoso conde pediu que lhe servissem um naco de rosbife entre duas fatias de pão, a fim de que pudesse comer sem se afastar da mesa de jogo. Seu pedido atraiu os presentes por ser prático e nutritivo, popularizando-se em seguida pelos clubes de Londres como “o pedido de Sandwich”. É claro que a humanidade não teve de esperar até o séc. XVIII para alguém imaginar um recheio para duas fatias de pão; no entanto, o nome adotado terminou imortalizando aquela refeição da madrugada de 6 de agosto de 1762, ocorrida há 240 anos. Se não foi o Conde o verdadeiro inventor do sanduíche, ele é forte candidato a inventor do conceito de fast-food.

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