Vocábulos ligados a dinheiro

Nossa civilização sempre teve uma atitude ambígua para com o dinheiro: alguns o adoram, outros o desprezam, mas todos o respeitam e acabam precisando dele. Independentemente de nossa posição política ou filosófica, nós convivemos com o dinheiro entre os limites de duas verdades indiscutíveis, que não chegam a se opor: ninguém vive sem dinheiro, mas ele não pode comprar tudo. As palavras usadas para falar nele mostram um pouco da história desta convivência.

moeda Vem do Latim moneta, derivada do verbo monere (“avisar, aconselhar, lembrar”) — da mesma família, portanto, de monumento (“o que deve ser lembrado”) e de premonição (“aviso prévio de que algo vai acontecer”). Moneta (“a que avisa”) era um dos nomes dados à deusa Juno, porque os romanos acreditavam que ela os havia advertido várias vezes da iminência de desastres militares e de catástrofes da natureza. No grande templo dedicado a Juno Moneta, que se erguia no Capitólio, foi instalada uma casa de cunhagem de dinheiro metálico, que logo passou a ser designado de moneta. Daí vieram moeda e monetário (Port.), moneda (Esp.), moneta (It.), monnaie (Fr.) e money (Ing.).

pecuniário — Vem do Latim pecus, “gado”, o mesmo radical que produziu pecuária. Antes da instituição do dinheiro como elemento de troca, a fortuna de alguém era avaliada pelo número de bois, ovelhas, cabras ou porcos que possuía; chamava-se de pecunia essa riqueza medida em cabeças de gado. Quando metais como o bronze, a prata e o ouro começaram a ser usados nas transações, os lingotes traziam estampadas figuras desses animais, o que faz supor que indicavam o valor, em gado, da peça metálica. Uma lei do séc. 4 a.C. estabelecia a proporção “1 boi = 10 ovelhas = 1 libra de bronze”. Este costume está presente até hoje em povos pastoris do Oriente Médio e da África, em que o noivo oferece camelos, jumentos ou bois em pagamento aos pais da mulher com quem pretende casar. Daí também veio o pecúlio (Lat. peculium, que designava o pequeno rebanho que um escravo conseguia juntar, pouco a pouco, geralmente para comprar sua própria liberdade) e o peculato (Lat. peculatus, desvio do dinheiro público).

tributo — No início da civilização romana, o povo estava dividido em várias tribos — em latim, tribus, vocábulo que produziu vários derivados conhecidos: o tribuno era o magistrado da tribo, enquanto o tributo era a contribuição a ser paga pelos membros da tribo. O termo logo generalizou-se para abranger todo imposto ou taxa cobrado dos cidadãos romanos, passando a designar também o valor que um povo vencedor obrigava o povo vencido a pagar como símbolo de submissão e obediência. Naquela época, como até hoje, os poderosos raramente pagavam tributos, que eram suportados pelos comerciantes mais humildes, os camponeses e os pequenos proprietários. Esse infeliz contribuinte era chamado de tributarius — designação que se aplica, por metáfora, aos rios que vão desaguar em um rio maior: “o rio Tapajós é um dos mais importantes tributários do Amazonas”. 

capital — A origem remota de capital é o Latim caput (“cabeça”). Inicialmente, o adjetivo capitalis significava “o que está acima dos outros; principal, dominante” — como se vê ainda hoje, quando dizemos que algo é de capital importância, quando falamos nos sete pecados capitais e quando chamamos de capital a cidade em que fica a sede do governo. No Renascimento, os famosos banqueiros italianos passaram a usar o termo capitale para designar a parte principal de uma quantia investida, excluídos os juros e os rendimentos que ela pudesse trazer. Pouco a pouco, com o desenvolvimento da Economia Política, o sentido foi sendo ampliado, até que, no séc. XIX, passou a significar “a riqueza considerada como meio de produção”, por oposição ao “trabalho”, relação que Marx analisou no clássico O Capital

lucro — Vem do Latim lucrum, “ganho, vantagem”. Na sociedade romana, ao contrário do que aconteceria durante o Cristianismo, nos século seguintes, o lucro era visto como um ganho legítimo que se auferia com uma atividade econômica bem sucedida. Em Pompéia, sob as cinzas e a lava do Vesúvio, encontraram uma casa que trazia escrita em seu portal a expressão Salve, lucrum! (“Bem-vindo, lucro!”), enquanto o mosaico do assoalho formava a frase Lucrum gaudium! (“O lucro é alegria!”). Os antigos já entendiam, no entanto, o lado perverso do lucro, como se vê pelo velho provérbio Lucrum unius est alterius damnum — “O lucro de um é o prejuízo de outro”. A doutrina cristã, ao associar o lucro à usura, prática que sempre condenou, apagou a distinção entre lucro legítimo e ilegítimo, dando ao vocábulo uma carga pejorativa que só hoje, aos poucos, começa a se dissipar. É significativo que, do mesmo radical latino, nosso idioma formou também a palavra logro, que tinha inicialmente o mesmo significado de “ganho, vantagem”, mas hoje significa “engano, embuste”.

dinheiro — Vem do Latim denarius, moeda de prata que valia dez asses, uma tradicional moeda de cobre. Por ser a moeda mais utilizada em Roma, tanto no Império quanto na República, o nome adquiriu valor genérico e passou a designar qualquer espécie de meio circulante. Entrou também no espanhol como dinero, no francês como denier (embora a forma preferida por aquele idioma seja argent — literalmente, “prata”) e no italiano como denaro (embora a forma preferida seja soldo). O termo chegou até o árabe, que, em contato com os povos da Península Ibérica, importou a forma dinar. No fim da Idade Média, Portugal e Espanha chegaram a cunhar dinheiros de prata; é por isso que nas traduções mais antigas do Novo Testamento para nosso idioma, Judas não vende Jesus por trinta moedas de prata, mas por “trinta dinheiros“.

juros — É uma palavra de origem ainda obscura, que entrou no nosso léxico por volta do séc. XII, quando o idioma ainda estava se formando. Muitos autores — entre eles, Houaiss, no seu excelente dicionário — derivam-na de jus, juris (“direito, justiça”): os juros seriam o que é direito receber pelo aluguel de uma determinada quantia. Das línguas românicas, só o português usa este termo; as demais usam o equivalente ao nosso interesse, que também podemos usar como sinônimo de juro: interés (Esp.), interesse (It.), intérêt (Fr.). 

Muitos foram os filósofos e pensadores que condenaram a cobrança de juros, sob o princípio de que uma entidade como o dinheiro, sendo estéril, não deveria produzir filhotes. O Cristianismo os diabolizou ainda mais, ao usar o termo como sinônimo da usura, que sempre combateu. Só no séc. XVIII, quando as leis da Economia começam a ser estudadas cientificamente, é que se propõe a distinção entre os dois vocábulos, usando-se juro para designar a taxa de remuneração pelo uso do dinheiro, e usura para o empréstimo de dinheiro a taxas superiores às legais (o que, no Brasil atual, não tem muita diferença).

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