bimensal

Um leitor de Porto Alegre, que usa o pitoresco pseudônimo de Fenergan, diz não ter entendido muito bem a declaração de um proprietário de casa noturna dada a um telejornal local: depois de informar que tinha contratado uma firma especializada para fazer inspeções bimensais na rede elétrica de seu estabelecimento, aproveitou para avisar o público de que, a cada dois meses, teria de fechar por três dias seguidos para que este serviço pudesse ser feito. “A cada dois meses, professor? Bimensais? Eu jurava que seriam de quinze em quinze dias, mas, para minha surpresa, as obras que fui consultar não me tiraram a dúvida, pois Napoleão Mendes de Almeida, em seu Dicionário de Questões Vernáculas, sustenta que bimensal é sinônimo de bimestral; para tanto, remonta à origem latina e menciona Aulete e Cândido Figueiredo como autoridades”.

Meu caro Fenergan, não há dúvida alguma de que ambos foram feitos do mesmo barro: ambos ostentam o prefixo bi– e ambos derivam de mês. O produto final, contudo, é totalmente diferente. O velho Napoleão Mendes de Almeida, às vezes tão esperto, às vezes nem tanto, faz aqui uma grande mistura de opinião com etimologia. Recorre ao Latim e ao Inglês para nos informar, com veemência, que bimensal e bimestral  vêm do mesmo radical (até aí morreu Neves…), para então deduzir que as duas palavras podem ser usadas uma pela outra, já que dizem mesma coisa. Ora, esse é aquele tipo de raciocínio equivocado que chamamos de non sequitur (“não se segue”, isto é, a conclusão não é apoiada pela premissa), pois nele está escondida a presunção absurda de que uma palavra é imutável como uma pedra preta.

O discutido Cândido Figueiredo, assim como Caldas Aulete, nosso venerável dicionarista da Belle Époque, realmente registraram bimensal com o mesmo significado que atribuímos hoje a bimestral (“de dois em dois meses”). No entanto, se os  dois termos um dia chegaram a ser sinônimos, hoje deixaram de sê-lo, pois felizmente a língua fez aqui o que sempre deveria fazer nessas situações: aproveitou a duplicidade de formas para marcar, com elas, uma utilíssima  diferença semântica. O Aulete atual faz uma distinção taxativa entre os dois vocábulos, acompanhando o Houaiss e o Aurélio: bimestral, que está vinculado a bimestre (da mesma série de trimestre, quadrimestre, etc.), é o que ocorre de dois em dois meses; bimensal, que deriva de mensal, é o que ocorre duas vezes por mês. Uma casa noturna que sofra inspeções bimestrais estaria muito mais segura se elas fossem bimensais; neste último caso, em nome da clareza, seria recomendável falar em quinzenal, uma palavra que todos entendem da mesma maneira.       

Infelizmente, nosso idioma não dispõe de distinção semelhante quando se trata de anos. O léxico não é necessariamente simétrico. Se bimensal significa duas vezes ao mês e biebdomadário significa duas vezes por semana,  bianual deveria corresponder a duas vezes por ano, cabendo a bienal, associada a biênio, designar as coisas que acontecem a cada dois anos. Os falantes, contudo, também usam bianual com este mesmo sentido; a Bienal do Mercosul, por exemplo, é um evento bianual…  Alguns dicionários registram uma terceira forma, bisanual, perigosamente ambígua (e, portanto, inútil), por atribuírem a ela ambos os significados (tanto de dois em dois anos quanto de duas vezes ao ano).  

Essas diferenças, quando existem, são extremamente valiosas, e a morte de uma delas sempre deixa a língua mais pobre. Uma que está periclitante, atualmente, é a que existe entre atrativo e atraente. “Com as novas taxas, nossos fundos de investimento ficaram muito mais atrativos“, diz o comercial. Não; ficaram mais atraentes. Embora venham ambos do verbo atrair, têm valor e uso diversos. Atraente é o adjetivo que qualifica aquilo que atrai, seduz, encanta: “a proposta  era atraente”, “a solução mais atraente”, “era uma pessoa muito atraente”. Atrativo é o substantivo que designa os detalhes que atraem: “esta ilha tem atrativos turísticos”, “seu maior atrativo era a baixa taxa de juros”, “é difícil resistir a seus atrativos”. Para o uso geral, vale ainda a velha (mas interessante) correlação entre ter e os substantivos  e entre ser e os adjetivos. Lembram os leitores? Os bons professores ensinavam que temos substantivos, mas somos adjetivos: eu tenho medo (substantivo), mas sou medroso (adjetivo); elas têm inteligência (substantivo), mas são inteligentes (adjetivo); a poupança tem novos atrativos (substantivo); ela é (ou ficou, parece, etc.) mais atraente (adjetivo).

Aproveito para lembrar aos amigos que no último DOMINGO da Feira do Livro de Porto Alegre, dia 17,  às 18 horas, estarei autografando (calma, revisor: esta construção é Português da gema!) o terceiro volume de O PRAZER DAS PALAVRAS. Quem puder passar por lá vai me dar grande prazer.