Schadenfreude

Sentir prazer com a desgraça alheia? Sim, há um nome para isso.   

Não existem no mundo duas línguas que compartilhem exatamente o mesmo vocabulário − e olha que ainda restam mais de seis mil línguas vivas (por enquanto…)! Mesmo entre as línguas românicas, irmãs de sangue, haverá muitas palavras que existem numas e faltam noutras. Em inúmeros casos a presença (ou a ausência) de algum termo se deve a diferenças geográficas ou culturais; não seria justo exigir que o Francês conhecesse todo o vocabulário que gravita em torno do chimarrão nosso de cada dia, nem que o Inuíte (dos esquimós) incluísse todos os termos que os árabes usam para falar do camelo.

Esse tipo de lacuna não tem importância. É natural que a fauna, a flora e os costumes de cada região, sendo diferentes, façam brotar um léxico também distinto; se precisarmos um dia falar num desses itens exóticos, vamos buscar a palavra lá na língua de origem, adaptando-a à nossa fonologia ou comendo-a como veio, crua mesmo. Assim aconteceu com iglu, tobogã, vodca, jipe, gêiser, conhaque, pizza, blecaute e similares: quando precisamos delas, fomos laçá-las na planície e as incorporamos ao rebanho.

Na caverna escura da psiquê humana, no entanto, os contornos não são tão nítidos, a começar por uma grande dúvida: todos os seres humanos têm as mesmas emoções? Existe uma psicologia universal?  Se me perguntarem, só posso responder que sou sábio o suficiente para evitar qualquer palpite. Mas sei, no entanto, que outras línguas têm palavras que invejo, pois designam emoções ou comportamentos que conhecemos muito bem. É o caso, por exemplo, de frotteur (literalmente, “esfregador” − do Francês frotter, “roçar, esfregar”), termo usado para designar aqueles pervertidos que andam por aí aproveitando as aglomerações ou a superlotação do nosso transporte público para abusar da (ou do) infeliz que estiver na sua frente, esfregando-lhe no corpo as partes em que não bate o sol.

É o caso também de schadenfreude, o tema desta coluna, dúvida de uma leitora catarinense que assina com o pseudônimo de Criptonita Nacional: “Na segunda-feira devorei o jornal para ler sobre a eleição e encontrei uma palavra que parece alemã: schadenfreude. Ali dizia que depois da apuração a cara do Ciro Gomes devia ser de total isso aí. Pode me esclarecer?”.

Prezada Criptonita, o idioma está certo! Schadenfreude, do Alemão, foi cunhada no séc. 18, composta de schaden (“dano”) e freude (“alegria”). Ela designa aquele prazer maldoso que sentimos quando testemunhamos ou ficamos sabendo dos fracassos ou humilhações alheias, mesmo que disso não extraiamos benefício algum. Para as boas almas, é um sentimento condenável, como observou um severo linguista do séc. 19: “Que coisa assustadora é saber que uma língua tenha uma palavra para expressar o prazer provocado pela infelicidade dos outros, pois a simples existência do termo já prova que o sentimento existe”. Schopenhauer vai ainda mais longe: para ele, este é “o pior traço da natureza humana. É um sentimento próximo da crueldade, e dela só difere, no fundo, como a teoria difere da prática”.

Para outros, como Robert Burton (The Anatomy of Melancholy) ou Nietzsche (Humano, Demasiado Humano), é um sentimento comum a todos nós. Na chuvarada de domingo, um vizinho comentou, sorrindo, na fila do açougue: “E meu cunhado foi para a praia com toda a família!”. Peter Gay, um historiador judeu, guardou para sempre na memória a alegria com que viu os nazistas perderem, uma após a outra, as medalhas de ouro na Olimpíada de 1936. Queres imaginar o que disse o jornal? Na série de animação infantil Corrida Maluca, o cachorro do Dick Vigarista − Muttley (a.k.a. Rabugento) − tinha um riso que era pura schadenfreude. Põe o Ciro no lugar de Muttley e vais entender o que o jornalista queria dizer.