E/OU — valor da barra inclinada

Prezado professor: assim como no futebol todos se consideram técnicos, muitos se consideram especialistas no nosso idioma, principalmente no ambiente acadêmico. A discussão comeu solta em nossa universidade a respeito da seguinte frase:

Serão considerados docentes permanentes os professores que desenvolvam atividades de ensino na graduação E/OU pós-graduação.

Por causa deste e/ou, um grupo defende que o professor, para ser considerado docente permanente, terá de estar obrigatoriamente ligado à graduação, sendo opcional seu vínculo com a pós-graduação. Outro grupo, no entanto, entende que o artigo acima permite que um professor seja classificado como docente permanente mesmo que esteja ligado apenas à pós-graduação. Sem entrar no mérito da questão, mas exclusivamente dentro da visão lingüística, qual dos dois grupos faz a interpretação correta?

Jacob W. – Campinas (SP)

Meu caro Jacob, o emprego do E/OU sempre traz esse perigo; apesar de ser um operador muito útil, acho que ainda não está suficientemente difundido para ser usado sem causar discórdia. Há, inclusive, quem o considere uma invenção pedante e desnecessária, mas me atrevo a dizer, com base na experiência que acumulei na minha página da internet, que a maior parte dos que se opõem a ele mudaria de ideia se soubesse exatamente para que  finalidade ele foi criado.

Sua origem se explica por uma daquelas diferenças bem marcantes que existem entre a linguagem da Lógica Formal e a linguagem humana, principalmente no valor de conectores como E, OU e MAS. Onde usamos nosso OU, o Latim usava duas palavras diferentes, vel e aut. O primeiro era um OU fraco, inclusivo, significando “um ou outro, possivelmente ambos“; o segundo era um OU forte, exclusivo, significando “ou será um, ou será outro“.

1 – OU inclusivo (qualquer um dos dois):

É uma flor delicada; o frio OU o calor excessivos podem fazê-la morrer.

Ele aceita trocar o carro por ações OU por mercadorias.

2 – OU exclusivo (ou um, ou outro):

O cargo de presidente, que está vago, será ocupado por João OU Pedro.

Esta chave deve pertencer a Pedro OU àquele professor visitante.

A Lógica Formal resolveu o problema criando dois símbolos diferentes, um para cada tipo de OU. Uma língua natural como o Português, porém, não pode “criar” conjunções ou preposições; por causa disso surgiu a prática (adotada por alguns, mas não por todos os usuários) de usar uma barra entre o E e o OU para indicar que se trata do OU fraco (o vel do Latim), isto é, o OU inclusivo. A frase abaixo é um bom exemplo:

O calor acima dos 50 graus e/ou a umidade acima de 70% podem alterar esta substância.

Esta frase contém três afirmações diretas:

(1) o calor acima dos 50 graus pode alterar a substância,

(2) a umidade acima dos 70% pode alterar a substância,

(3) o calor e a umidade juntos podem alterar a substância.

A frase que vocês discutiram — “serão considerados docentes permanentes os professores que desenvolvam atividades de ensino na graduação E/OU pós-graduação” — afirma, claramente, que será classificável como docente permanente

(1) o professor que só atua na graduação,

(2) o professor que só atua na pós-graduação e

(3) o professor que atua em ambas.

Como acontece em qualquer disjunção inclusiva (este é o nome técnico empregado pela Lógica), só ficará excluído o professor que não se enquadrar em nenhuma dessas três hipóteses.

Se o burocrata que escreveu esse texto sabe usar o E/OU, foi isso o que ele disse. Se tivesse escrito “na graduação E na pós-graduação”, teria dado margem à interpretação, por parte de alguns leitores, de que só seria enquadrado aquele que atuasse nas duas áreas, excluindo-se aqueles que atuassem em apenas uma delas. Por outro lado, se tivesse escrito “na graduação OU na pós-graduação”, teria dado margem à interpretação, por parte de outros, de que só se enquadraria nesta classificação aquele que lecionasse ou na graduação, ou na pós-graduação — excluindo-se o que lecionasse em ambas. Ao usar o E/OU, matou a questão: só fica excluído aquele que não leciona em nenhuma das duas.

[Extraído do Guia Prático do Português Correto – V. 4: PONTUAÇÃO, já no prelo]

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