erros em livro para crianças

Caro professor, coordeno uma editora de livros infantis aqui no Rio de Janeiro e recebi recentemente um manuscrito para publicação que está tirando meu sono. A história é criativa, mas o texto está recheado de erros do tipo *tu é, *com nós (dói no ouvido), *meus pé, entre muitos outros. Sugeri que os erros fossem corrigidos ou que pelo menos fossem discutidos em nota de pé de página. O autor, contudo, informou que atualmente as escolas compram livros escritos em linguagem coloquial para trabalhar com as crianças a partir dos erros encontrados (????!!!!)

Para tirar a limpo, visitei duas livrarias importantes do Rio (Argumento e Travessa), além da Livraria Cultura, em São Paulo. Informaram-me que não estão a par dessa novidade na linguagem literária para crianças e sugeriram que eu consultasse um profissional da área literária ou da educação. Tendo em vista sua reconhecida competência no campo das Letras, gostaria que o senhor desse seu parecer sobre esta delicada questão.

Maria U. — Rio de Janeiro

Prezada Maria, não embarques nesta canoa furada! Esses “erros” (coloco entre aspas porque alguns deles podem ser classificados como regionalismos) só se justificariam se aparecessem na fala de personagens caracterizados como “simples” ou “sem instrução”. Muitas histórias (e sketches de TV) exploram o recurso de usar um personagem que fala errado — mas isso fica muito bem ressaltado para o leitor/espectador, servindo, inclusive, para cenas de humor. Se escrevo um conto em que o personagem é o Jeca Tatu, não há nada contra colocar, nas suas falas, algumas características da linguagem caipira, desde fique bem claro, no texto ou na reação dos demais personagens, que aquelas não são formas usuais da linguagem. Isto é especialmente importante nos livros infantis, que têm, queiram os autores ou não, a função suplementar de apresentar ao jovem leitor as formas corretas de escrever.

Sei que ainda existem por aí lingüistas que defendem, irresponsável e demagogicamente, a idéia de que esta preocupação com a “linguagem correta” é preconceituosa e ultrapassada. O grande equívoco desta tribo (felizmente em extinção; gozou de imenso prestígio nos últimos trinta anos do séc. XX, mas vai pouco a pouco perdendo terreno) é aplicar um conceito que, embora válido para a pesquisa lingüística, tem tanto a ver com a educação das crianças quando Pilatos com o Credo. Não dês ouvidos a eles; corrige os erros, sim, ou, ao menos, discute-os em notas bem visíveis. Se não forem tomadas essas precauções, nenhum professor que se preze vai recomendar um texto desses para seus alunos. Da mesma forma, nenhum pai — especialmente os que não dominam a língua culta — vai tolerar que, dos milhares de livros que há no mercado, indiquem para seu filho uma obra desse tipo. O aluno não vai ao colégio para aprender o que ele já sabe, que é a fala quotidiana; ele vai à escola para aprender o que ele não sabe, que são os recursos e as convenções da língua escrita culta. Abraço. Prof. Moreno

Após o Acordo:
idéia > ideia
lingüista > linguista
lingüística > linguística