O gênero de um substantivo COMUM DE DOIS é definido pelo artigo que o acompanha: O INTÉRPRETE e A INTÉRPRETE, O ARTISTA e A ARTISTA; já um substantivo SOBRECOMUM apresenta uma forma única, aplicável a ambos os sexos: A TESTEMUNHA (homem ou mulher). A qual desses dois grupos pertence o vocábulo PARADIGMA? E MODELO?
Assim que recomeça a temporada dos concursos públicos, é natural que pipoquem por aqui algumas mensagens com perguntas extremamente específicas. A maioria eu respondo diretamente ao autor; uma que outra eu trago aqui, para compartilhar com vocês. Hoje eu trago a dúvida de Júlia K. (como regra de sobrevivência, sempre omito o sobrenome), concurseira de Florianópolis, que vai direto ao fígado: “Professor, paradigma é um substantivo comum de dois ou sobrecomum? Tenho um tratado de Direito do Trabalho, escrito por uma sumidade do ramo, que escreve uma paradigma. Pode isso?”.
Olha, Júlia, até pode ― mas depende do contexto, como vou explicar. Antes, porém, para proveito de todos, vou desconstruir tua pergunta (e não destruir, como alegou o advogado daquele megaempresário que, como dizem os lusos, está vendo o sol nascer aos quadradinhos…). Lembro, em primeiro lugar, que chamamos de comum de dois o substantivo que tem apenas uma forma (isto é, não flexiona), mas permite que se distinga o feminino do masculino com base no artigo, numeral ou pronome que o antecede: o/a policial, este/esta intérprete, meu/minha cliente.
O substantivo sobrecomum, por outro lado, tem um gênero gramatical determinado (ele ou é masculino, ou é feminino), mas serve para designar pessoas de ambos os sexos. Um exemplo bem à mão é testemunha, vocábulo exclusivamente feminino (João é minha testemunha; as testemunhas da defesa são os onze jogadores do Palmeiras). Neste caso, se eu precisasse, por algum motivo, distinguir entre homens e mulheres, teria de lançar mão de outras palavras que fizessem o serviço: “As testemunhas femininas serão alojadas no colégio das freiras; as testemunhas masculinas ficarão no quartel”.
Ora, paradigma se enquadra neste último caso. Não custa lembrar que é um vocábulo masculino ― embora muita gente, por causa daquele “A” no final, caia na armadilha e escorregue, produzindo pérolas como “A literatura marginal tem por finalidade romper com as paradigmas estéticas vigentes”. Credo! Em segundo lugar, assim como seus colegas monstro, carrasco ou ídolo, entre outros, o termo é aplicável a ambos os sexos, indiferentemente: “Esta médica é um paradigma de honestidade” (assim como ela pode ser um modelo de eficiência ou um carrasco para seus subordinados).
Chegamos, finalmente, ao cerne da tua pergunta: “Uma paradigma? Pode isso?”. Pode, sim ― e exatamente no contexto do Direito do Trabalho, onde o empregado paradigma é o empregado que serve de base para a equiparação dos demais funcionários. O vocábulo, agora transfigurado, vai admitir flexão de gênero, marcando o feminino, se for o caso: “a paradigma indicada”, “designou uma paradigma falecida”, etc. É a mesma metamorfose que ocorre com modelo: “A médica é um modelo de eficiência”, mas “foi contratada uma modelo“, ou, como escreve L. F. Veríssimo, “Nenhuma modelo me fez mal, ainda. Mas elas simplesmente me apavoram. É aquele ar que elas têm”.
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