A necessidade de medir e pesar começou junto com a civilização. Em qualquer atividade — para plantar ou construir, para trocar mercadorias, para costurar, para navegar —, nossos distantes antepassados não podiam passar sem um sistema de medidas, por mais rudimentar que fosse. As primeiras unidades utilizadas, como é natural, tiveram por base o nosso próprio corpo: media-se em polegadas, pés, côvados (a distância entre o cotovelo e a ponta do dedo médio) ou braças (a distância de um punho ao outro, com os dois braços estendidos horizontalmente). A capacidade dos recipientes era medida pelo número de sementes que eles pudessem conter; os sábios da Babilônia, por exemplo, estipularam que o talento, tão famoso no Mundo Antigo, correspondia a 933.120 grãos de trigo. Contudo, como o tamanho dos homens e dos grãos de trigo é variável, logo se percebeu que seria indispensável estabelecer algum parâmetro fixo de referência.
Em nosso país, até o século passado, a confusão ainda era total; cada região usava o seu sistema próprio e, pior ainda, atribuía dimensões diferentes a uma mesma unidade. Um bom exemplo, porque ainda é muito usado na linguagem popular, é o alqueire. Se alguém me disser que plantou um alqueire de milho, a que área ele se refere? Em São Paulo, a 24.200m²; em Minas Gerais, exatamente ao dobro (48.400m²) — sem mencionar as diferenças na Bahia, no Pará ou, do outro lado do Atlântico, em Portugal.
Em 1790, em plena Revolução, as autoridades francesas, no intuito de modernizar o país, encarregaram a Academia de Ciências da França de criar um sistema que se baseasse em algum padrão fixo e invariável. A comissão designada apresentou em 1793 um sistema tão simples e tão científico — o Sistema Métrico Decimal — que foi adotado pela maioria dos países modernos. Apesar de ter sido substituído pelo atual Sistema Internacional de Medidas, ainda usamos muitos dos nomes que a Academia de Ciências inventou.
metro — Vem do francês metre, sugerido pelo matemático Auguste-Savinien Leblond, em 1790, para designar a unidade que seria a base para o novo sistema (inclusive no nome). Como era muito forte a valorização da cultura clássica nessa época, o cientista francês recorreu ao grego metron (“medida”), de onde veio também o elemento de composição que usamos em vocábulos como fotômetro, termômetro, barômetro. Na ocasião, a Academia de Ciências definiu o metro como 1/10.000.000 da distância do Pólo Norte ao Equador; para determinar este valor, mediu o arco do meridiano entre Dunquerque, na França, e Barcelona, na Espanha, deduzindo o resto por cálculos astronômicos. Embora hoje o metro seja determinado com relação à velocidade da luz, seu valor é praticamente idêntico ao que os cientistas franceses obtiveram no séc. XVIII.
mitro — Dentro da lógica do sistema métrico, a unidade para líquidos foi determinada como o volume de um cubo de 10cm de lado (ou seja, 1 decímetro cúbico). O difícil, contudo, foi encontrar um nome satisfatório para ela. Esbarrando numa selva de denominações de medidas tradicionais, os acadêmicos de 1790, depois de algumas tentativas sem sucesso, optaram por criar um vocábulo novo; nasceu assim o litre, baseado, ao menos no som, em litron, termo do francês antigo que designava uma medida que correspondia aproximadamente a 790ml (quase igual às atuais garrafas de vinho).
grama — Definida como a massa de um centímetro cúbico de água pura, esta medida do sistema métrico foi batizada como gramme, nome criado com base no grego gramma, vocábulo envolvido, desde a Antigüidade, numa curiosa confusão lingüística. Em Roma, a 24ª parte da onça era chamada de scrupulum ou scripulum (literalmente, “pedrinha”), que equivalia aproximadamente a 1,14g; quando os gregos adotaram essa medida, teriam equivocamente enxergado no vocábulo latino um derivado de scribere (“escrever”), o que os fez traduzir o termo por gramma, que significava “letra, texto, inscrição” — como podemos perfeitamente observar em telegrama, monograma, eletrocardiograma, entre dezenas de outros exemplos. Embora seja considerado, na linguagem cuidada, um substantivo masculino (“duzentos gramas”), é inegável que há muito tempo a linguagem usual passou a tratá-lo como feminino (“duzentas gramas”).
tonelada — Vem do francês antigo tonel, diminutivo de tonne, grande barrica para guardar vinho. Já no séc. XV nosso idioma usava o vocábulo tonel e o derivado tonelada; suas especificações, contudo, sofriam da imprecisão crônica daquela época. As regulamentações do rei Dom Manuel especificavam taxativamente que “a verdadeira tonelada, ou tonel de vinho, deve levar 50 almudes”, o que não adiantava muito: como um almude, segundo a região, variava entre 16 e 25 litros, essa tonelada podia ficar entre 800 e 1.250 litros. O pai de nossos dicionaristas, o Padre Bluteau, em seu Vocabulário Português e Latino (1721), espelha muito bem o caos que imperava antes da criação do sistema métrico: “Tonel é uma vasilha de cinqüenta almudes, até setenta e cinco, ou mais”! O tonel (ou tonelada) foi padronizado em 1.000 quilogramas só a partir do séc. XIX.
milha — O nome vem da expressão latina mille passus ou passuum (“mil passos”) e correspondia à distância percorrida por um soldado romano que dava mil passadas completas, isso é, contadas quando o mesmo pé tocava o chão. Como Roma tinha o costume de plantar um imponente marco de pedra a cada milha, uma média da distância entre eles nos permite constatar que a milha romana tinha cerca de 1,5 km; em marcha normal, uma legião percorria 20 milhas em 5 horas (cerca de 30 km), e 24 milhas (36 km) em marcha acelerada — nada mal para soldados que carregavam 30 kg de equipamento. Atualmente, o termo milha designa distâncias muito variadas, mas a mais conhecida é a milha inglesa, que mede 1.609m.
quilate — Vem do árabe quirat, que o importou do grego keration (“pequeno chifre”), nome dado à vagem da alfarrobeira por causa de sua forma recurva. A vagem desta árvore, natural da região do Mediterrâneo, contém pequenas sementes pretas que apresentam uma incrível uniformidade de peso e que, por esse motivo, foram usadas pelos comerciantes de pedras preciosas desde a mais remota antigüidade. Cada semente equivalia a um quilate; hoje, uma convenção internacional fixa o seu valor em 200mg.
Depois do Acordo: pólo > polo
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