Para aqueles que se queixam do ingresso de vocábulos estrangeiros em nossa língua, é bom lembrar que, semelhante ao que acontece com as mercadorias e as matérias-primas, exporta quem tem, importa quem precisa. Se o Português hoje é francamente importador, já teve o seu tempo de fornecedor de vocábulos novos para o léxico do Inglês e das demais línguas modernas. Não podemos esquecer que, no séc. XVI, no seu impressionante avanço pela África e pela Ásia, Portugal tornou-se os olhos e os ouvidos de toda a Europa, trazendo do Oriente especiarias, frutas, animais e costumes exóticos, todos eles acompanhados pelas palavras que os denominavam. Foi pela mão portuguesa que entraram nas línguas ocidentais termos como macaco, chimpanzé, manga, banana, mosquito, quimono, mandarim. Com a descoberta e a ocupação do Brasil, os portugueses assimilaram e espalharam no continente europeu os nomes das plantas e animais do novíssimo mundo: não há bom dicionário de Inglês que não inclua piranha, tapioca, caju (cashew, escrevem eles), curare, jaguar, entre muitos termos oriundos de nossas línguas indígenas. Além dessas, algumas palavras realmente portuguesas terminaram sendo incorporadas pelo léxico do Inglês. As mais usadas são:
negro — (igual, com a pronúncia /nigro/) — Infelizmente, Portugal também ficou famoso pelo domínio mundial do tráfico negreiro, e não é de espantar que o termo negro tenha sido adotado pelo inglês para designar especificamente o africano escravizado. Nos anos 60, com a recuperação do orgulho racial nos EUA, o vocábulo negro, considerado pejorativo, foi substituído definitivamente por black, como atestam os movimentos dos Black Panther e do Black Power.
nlbino — (igual, no Inglês) — O termo vem de albo, forma antiga de alvo, sinônimo de “branco” (por isso se fala de “alvejante de roupa”), e refere-se adequadamente à pele leitosa e ao cabelo praticamente branco dos albinos. O vocábulo foi usado por um explorador português do séc. XVII para designar os primeiros negros-aças que ele avistou na África. Depois, generalizou-se para qualquer ser vivo despigmentado, inclusive animais, entre os quais se incluem o elefante branco da Tailândia, a vaca branca da Índia e, possivelmente, a baleia Moby Dick.
cobra — (igual, no Inglês, com o O fechado) — Ao lado do genérico snake, usam cobra para designar aquelas serpentes que têm a capacidade de inflar a pele do pescoço, formando uma espécie de sinistro capuz. Entre elas está a conhecida naja da Índia — a preferida dos encantadores de serpentes — e a mamba da África doSul. Quando os portugueses chegaram à Índia em 1496, deram a este estranho animal o nome de “cobra de capelo” (cobra de capuz); os ingleses importaram o nome, mas reduziram-no para cobra.
casta — (caste) — Casta é o feminino de casto, adjetivo que significa “puro, intacto”; como substantivo, designa uma linhagem vegetal ou animal com origem comum e caracteres semelhantes: “este vinho é feito com uvas das melhores castas”. O termo serviu, portanto, como uma luva para designar os fechados grupos sociais em que se dividia a sociedade da Índia — sistema até então desconhecido pelos portugueses —, no qual um indivíduo fica preso até sua morte na casta em que nasceu, sem que se admita mistura ou contato com os membros das demais castas. Logo o inglês e a maioria das língua européias adotaram o vocábulo.
tanque — (tank) Quando foi importado pelo Inglês, significava apenas “reservatório”. Durante a 1a. Guerra, contudo, quando os ingleses desenvolviam secretamente os primeiros carros de combate que rodavam sobre esteiras, espalharam o boato de que estavam construindo reservatórios de água motorizados para a campanha na Mesopotâmia. Para despistar a eficiente espionagem alemã, tiveram o cuidado, inclusive, de escrever “tank” nos engradados de madeira que levaram as peças para o solo francês, onde foram montados para entrar em ação. O estratagema produziu dois resultados: o novo veículo pegou os alemães totalmente desprevenidos, e o nome tanque ficou definitivamente consagrado.
marmelada — (marmalade) — Na tradição culinária portuguesa, é o tradicional doce de marmelo (sólido ou em forma de geléia), que acabou sendo suplantado, no Brasil, pela invencível goiabada. O termo foi levado para a Inglaterra, no entanto, para designar o doce feito com a polpa de qualquer fruta, especialmente as cítricas; basta ver que a campeã inglesa de preferência é a orange marmalade, uma “marmelada” de laranja! Só não importaram ainda o sentido figurado que damos ao vocábulo; um inglês não entenderia a frase “a última corrida da Ferrari foi uma vergonhosa marmelada”.
bucaneiro — (buccaneer) — Designava os habitantes das ilhas de Hispaniola e Tortuga que caçavam bois selvagens e defumavam sua carne numa espécie de grelha conhecida em Francês por boucan, que veio do moquém de nossos índios; trocado em miúdos, seria algo assim como um churrasqueiro. Com o tempo, esses assadores encontraram uma atividade mais lucrativa na pirataria, e o nome colou neles. Em 1661, registra-se o seu uso no Inglês no primeiro sentido; em 1690, já aparece para designar os piratas das Antilhas. Este é um caso especial: uma palavra nossa, nativa, produziu uma derivada francesa, que se tornou comum nas Antilhas, ingressando no Inglês, no Espanhol e — lá vamos nós! — no Português moderno.
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