“Prezado Professor: apesar de sua explicação, não consigo perceber a diferença entre linguagem figurada e denotação. O que o senhor diz em denotação e conotação não me convenceu. Poderia me explicar mehor, por gentileza?”
Tádia Cristina — Oriximiná (PA)
Minha cara Cristina: usando a definição de John Lyons, um importante lingüista inglês, o que chamamos de “significado” de um vocábulo é divisível em duas parcelas: a denotação (a parcela do Universo que o vocábulo designa) e a conotação (todo o resto do significado do vocábulo, depois que tirarmos a denotação). Apesar de parecer obscuro, isso quer dizer que a conotação engloba todas as demais informações adicionais veiculadas pela palavra: a região a que pertence o falante; sua idade; sua atitude com relação ao objeto que está sendo nomeado — se é a favor, se é contra; o nível do discurso que se está adotando (se formal ou informal), e assim por diante. Como expliquei no artigo que mencionas (e que não te convenceu …), lábio e beiço, denotativamente, são sinônimos, mas o segundo termo carrega, além disso, uma forte conotação pejorativa (o mesmo vale para calvo e careca, bêbado e embriagado, inverdade e mentira). Onde eu digo comercial de TV, minha avó dizia reclame — o que tem hoje uma conotação ultrapassada, saudosista. Onde o Brasil inteiro fala em cavalo para montar, ouve-se muito, aqui no R. G. do Sul, pingo, de forte conotação regionalista. E assim por diante. O significado conotativo, portanto, é esse significado de contrabando que o vocábulo carrega.
O curioso é que, ao irmos ao dicionário, estamos em busca da denotação, que associamos, no fundo, ao “verdadeiro” sentido da palavra. Os dicionários raramente indicam também as conotações dos vocábulos, o que abre perigosas armadilhas para quem está estudante um idioma estrangeiro. Imagina um alemão, enamorado de uma brasileira, que lute para escrever uma carta em nosso idioma: onde está o aviso de que ele não deve usar beiço para falar dos lábios dela? Até o séc. XVIII, aliás, os poetas falavam dos beiços da amada (por exemplo, na Marília de Dirceu); pouco a pouco, no entanto, o termo foi adquirindo a conotação grosseira e insultuosa que tem hoje. Se te interessas pelo assunto, recomendo-te a leitura de um dos melhores livros sobre o assunto, que se lê com gosto e prazer: Semântica, de Stephen Ulmann, editado em português pela Fundação Gulbenkian, não muito difícil de encontrar.
Metáforas e metonímias, sinédoques, hipérboles, etc., pertencem ao que se chama de “linguagem figurada”, e nada têm a ver com isso. Infelizmente, os conceitos de semântica que entraram em nossas gramáticas escolares são antiquados e confundem uma coisa com a outra. Espero ter esclarecido tuas dúvidas. Abraço. Prof. Moreno
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