a) Prezado Doutor: devo dizer o meu óculos ou os meus óculos? Ou existe alguma outra forma correta?
Fernando P. — Jaraguá do Sul (SC)
b) Prezado Professor: agradeço desde já a oportunidade de estar lendo minha dúvida, que é a seguinte: minha mãe está sempre me corrigindo quando digo “o meu óculos“! Ela diz que óculos é uma palavra no plural; logo, deveria ser “os meus óculos“. Por exemplo, “Onde estão os meus óculos?” Mas justifica dizendo que são duas lentes, duas hastes… Eu já acho que seria, isso sim, uma palavra como pires e lápis, mas nem por isso, quando estiver me referindo a um só objeto, um só lápis, um só pires ou um só óculos, devo concordar o verbo no plural…. “Onde está o meu pires?” Realmente, não sei como lidar com a palavra óculos. Gostaria de algum tipo de esclarecimento.
Daniela Q. C.
Meu caros Fernando e Daniela: para começar, lembrem que óculos é o plural do substantivo óculo. A mãe da Daniela tem toda a razão. “Eu comprei óculos novos” — esse plural se explica porque se trata de um par, assim como as meias, os sapatos, os brincos, as calças, as algemas, as luvas. Ora, se quisermos, podemos designar esses objetos de duas peças pelo seu singular: já devem ter ouvido (ou dito) “ele comprou um sapato caríssimo”, “o uniforme exige meia preta“, “o Mickey Mouse antigo estava sempre de luva branca“, “minha calça está rasgada” — e, nessas frases, ninguém vai entender que estamos nos referindo a um só pé de sapato, a um só pé de meia.
No entanto, aposto que nunca ouviram alguém dizer “um sapatos caríssimo”, “a meias preta”, “tua luvas branca”, “minha calças está rasgada”. É uma lei tão primordial do Português (os artigos, os possessivos, os numerais, os adjetivos concordam com o substantivo que acompanham) que sua aplicação é feita automaticamente, até mesmo por quem não teve escola. Estranhamente, contudo, é cada vez mais comum ouvir-se “meu óculos“, “um óculos“. A própria pergunta de vocês já revela que há hesitação quanto à forma correta. O que estaria interferindo, neste caso particular, na aplicação da lei da concordância? A única hipótese que me parece plausível foi levantada por Celso Pedro Luft, também intrigado com esse inusitado desrespeito à lógica e à gramática: muitos falantes já não analisam óculos como um plural (até porque óculo, no singular, é desconhecido da maioria), e tomam esse substantivo por um daqueles que têm terminação em “S”, como pires, lápis, ônibus. Se eu “perdi meu ônibus“, então por que não “perdi meu óculos“? Se “quebrei o pires amarelo”, por que não “quebrei o óculos escuro“? Notem que esse raciocínio está presente na pergunta da Daniela
Feliz, no entanto, de quem tem dúvidas; vocês perceberam que havia alguma coisa errada nessa construção e saíram em busca de ajuda. Agora já sabem: (1) ou usamos tudo no plural — os meus óculos escuros, teus óculos novos (a preferida de quem não quer maltratar nosso pobre idioma); (2) ou usamos tudo no singular — o meu óculo escuro, teu óculo novo (vamos combinar: não está errado, mas haja ouvido para agüentar essa!); (3) ou — coisa que sei que vocês não vão fazer, porque se preocupam com a língua que usam — simplesmente mandamos tudo às pitangas e saímos dizendo *o meu óculos escuro. Vai de inhapa: o Inglês usa glasses, o Francês usa lunettes — lá, como aqui, os óculos são considerados plural.
Depois do Acordo: agüentar > aguentar