Saiu no jornal a manchete “EUA admitem que uma general sofreu assédio”. Não seria melhor dizer logo generala?
Luís Paulo — Presidente Prudente
Meu caro Luís Paulo, há uma forte resistência em usar a flexão feminina nos cargos e nos postos que, durante séculos, foram ocupados exclusivamente por homens. Quem acompanhou a ascensão da mulher no mundo político, nos últimos trinta anos, viu a lentidão com que a mídia foi adotando formas femininas que hoje já não causam estranheza: primeira-ministra, senadora, deputada, prefeita, vereadora, etc. Os que defendiam o estranho uso “a primeiro-ministro Indira Gandhi” argumentavam que se tratava do cargo, e o cargo era de “primeiro-ministro” — argumento de jerico, pois, se o levássemos a sério, teríamos “a diretor Fulana”, “a vereador Beltrana”. Pode ser que a causa fosse, em parte, um preconceito sexista; meu palpite, contudo, é que o principal responsável sempre foi a leitura errada dos dicionários. Brasileiro não sabe ler dicionário; é capaz de ir ao Aurélio e, ao ver ali registrado “menino – s.m.” , concluir que não existe a forma menina ! É de amargar!
Coisa semelhante vem ocorrendo com os postos militares. O ingresso de mulheres nas Forças Armadas e nas Polícias Militares é fato recente; ao que parece, esses organismos preferiram manter inflexionados os tradicionais soldado, sargento, capitão, coronel, general — daí a forma utilizada pelo jornal que mencionas. É apenas uma questão de tempo, Luís Paulo, e estaremos usando soldada, sargenta, capitã, coronela, generala. Na verdade, essas formas já vêm sendo usadas há muito no Português, como se pode ver nos bons dicionários do passado: no Morais (que é de 1813) aparece capitoa como uma mulher que lidera outras (“Por capitoa, Isabel Madeira”). “Capitoa Úrsula os vai guiando”, registra Domingos Vieira. Caldas Aulete (na 1ª edição) diz: “capitoa — mulher que dirige outras em alguma ação heróica. Fem. de capitão“. Essa forma em -oa deu lugar a capitã (mais ou menos como o alemoa cedeu o passo a alemã), termo que sempre utilizamos para designar a atleta que comanda uma equipe. Generala e coronela serviam para designar a mulher do general ou do coronel; não esqueça, entretanto, que esses também podiam ser títulos meramente honoríficos e, como tal, sempre foram usados no feminino. “A princesa é a coronela honorária do regimento” (Aulete). Há um clássico da literatura erótica “As Primas da Coronela”…
Como se tudo isso não bastasse, existe, há décadas, a figura ingênua e dedicada do Exército da Salvação, com seus músicos tocando (ainda tocam? nunca mais os vi) pelas esquinas deste mundo — todo ele organizado com uma hierarquia pseudomilitar, com suas soldadas, sargentas, capitãs, coronelas e generalas. Em suma: as formas existem; se as Forças Armadas preferem não adotá-las, é outra história. Os jornais é que me parecem atrasados.
Ultimamente, como mais sinal da modernidade, surgiu uma dúvida que vai ser trazida para a discussão com nossos leitores: a esposa do governador é chamada de “primeira-dama”; como se chama o marido da governadora? Será “primeiro-cavalheiro” (e vai-se dedicar também às obras assistenciais?) O fenômeno é tão novo que ainda não refletiu no idioma, mas logo saberemos.
Depois do Acordo: heróica> heroica