Ilustre professor, venho indagar-lhe sobre o plural de certas palavras compostas, cujo primeiro termo são verbos, v.g. bate-bola, come-quieto, vale-transporte, esta última especialmente. Discutindo o problema com meus colegas, defendi a posição que me parece a mais simples de todas: bater bola, valer passagem são AÇÕES, logo, uma pessoa pode bater bola, mas mil também podem praticar a mesma ação, bater bola (até mesmo na frase que acabo de escrever se nota o caráter neutro de uma ação qualquer). Ansioso por seus esclarecimentos, reitero que a dúvida dos compostos é dirigida especialmente às palavras iniciadas por VALE. Mário V. — Rio de Janeiro
Meu caro Mário: infelizmente, as coisas não são tão simples assim. Aliás, quando se trata de compostos, nunca são simples. Os compostos do Português são sintáticos, isto é, mantêm entre seus componentes as mesmas relações que os sintagmas da frase mantêm entre si. Uma das formas mais comuns de composição é [verbo transitivo + objeto direto]: porta-bandeira, guarda-roupa, saca-rolha (bandeira, roupa e rolha são os objetos diretos dos verbos portar, guardar e sacar). A leitura que deles se faz é a de “alguém ou alguma coisa que porta a bandeira, que guarda a roupa, que saca a rolha”. Este tipo de composto só flexiona no segundo elemento: porta-bandeiras, guarda-roupas, saca-rolhas.
Acontece que em vale-transporte não há verbo: vale aqui é um substantivo, que também pode ser usado independentemente (“Preciso de um vale“, “Já tirei dois vales este mês”). Este vocábulo pertence a outra estrutura de composição, já menos freqüente, [substantivo+substantivo], presente também em hora-aula, salário-família, operário-padrão. A leitura desses compostos seria, a rigor, “hora de aula”, “salário para a família”, “operário que serve como padrão”, “vale para o transporte”. O plural, portanto, sintaticamente condicionado, é horas-aula (horas de aula), salários-família (salários para a família), vales-transporte (vales para o transporte). Assim se escreve na norma culta — hoje. No entanto, como a língua é História, a percepção que os falantes têm dos vocábulos muda com o passar do tempo: à medida que o vocábulo composto vai deixando de ser percebido como estrutura sintática e começa a ser considerado um vocábulo uno, sente-se uma fortíssima pressão estrutural da língua no sentido de colocar também uma marca de plural no final do composto. Daí o uso cada vez mais generalizado de horas-aulas, salários-famílias, vales-transportes, variantes que eu jamais usaria, mas que despontam como a interpretação mais moderna desse tipo de composto.
No mesmo caso estão vale-brinde, vale-refeição, vale-pedágio. Bem diferente (o que ajuda a entender o que estou dizendo) é vale-tudo; aqui sim temos o verbo valer (“luta onde vale tudo“). A formação é análoga à de porta-bandeira; deveria flexionar apenas o segundo elemento. Neste caso específico, todavia, como tudo é uma palavra invariável, o composto fica sem flexão: os vale-tudo. Consegui ser claro? Abraço. Prof. Moreno
Depois do Acordo: freqüente > frequente