O Juiz Túlio Martins, de Porto Alegre, assíduo leitor e importante colaborador desta página, provoca o tema: “Existe outro contexto — além de superlativo de bom — em que pode ser utilizada a palavra melhor?”. E acrescenta: “A forma melhor pode sempre substituir mais bem, ou há casos em que não são intercambiáveis?” Minha resposta é a presente lição:
Melhor, além de ser a forma comparativa de superioridade do adjetivo bom (mais bom = melhor), serve também como comparativo de superioridade do advérbio bem (“ele escreve melhor que o irmão, ele está passando melhor, ele corre melhor quando está descalço”). Em frases como essas, seria inaceitável usar a forma analítica mais bem; a substituição por melhor é obrigatória. Antes de PARTICÍPIOS, contudo, é a forma analítica a preferível: “casa MAIS BEM construída, prédio MAIS BEM desenhado”. Esse é o uso culto, tradicional, de nossa língua. Pode ser substituído pela forma sintética: “casa melhor construída, prédio melhor desenhado“– embora os ouvidos educados registrem aqui uma nota de estranheza.
O problema é que, se às vezes é indiferente (a não ser pela elegância) optarmos por uma ou outra forma, outras vezes o emprego de melhor fica bloqueado. Quem conseguiu deslindar bem o problema foi, como sempre, Celso Pedro Luft, que distingue duas estruturas diferentes:
(1) [mais bem] + particípio
(2) mais [bem + particípio]
Em (1), mais modifica bem, e os dois juntos vão modificar o particípio. Neste caso, podem-se usar ambas as formas:
Esta casa está MAIS BEM [construída]
Esta casa está MELHOR [construída]
Em (2), mais modifica o conjunto [bem + particípio]; são vocábulos em que bem parece estar formando uma verdadeira unidade com o particípio, funcionando como uma espécie de prefixo. Aqui NÃO poderíamos usar melhor:
A Alemanha ficou [bem colocada] na disputa, mas a França ficou ainda mais [bem colocada].
Isso fica ainda mais evidente nos casos grafados com hífen: se estou escrevendo, a presença do hífen em bem-aventurado, bem-educado, bem-intencionado, bem-nascido, bem-vindo, bem-sucedido, etc. me avisa que este bem não pode combinar com o mais para fazer melhor. Infelizmente o uso do hífen não é consistente e regular o bastante para nos trazer tranqüilidade. Além disso, quando eu falo, desparece esse recurso visual, e a instantaneidade da fala não me permite examinar cuidadosamente cada estrutura. Por essa razão, uma vez que melhor é, das duas formas, a que sofre restrições a seu uso, a solução é usar sempre mais bem antes de particípios. Assim estarei sempre certo.
Depois do Acordo: tranqüilidade > tranquilidade