Meu caro doutor, o noticiário de rádio e TV não emprega o tempo do verbo corretamente, quando se refere a uma situação futura. Por exemplo: “Acontece amanhã, o lançamento do novo livro do professor Cláudio Moreno…”. Isso é correto? Existe uma outra gramática que só os jornalistas conhecem? [Edgar Barros]
Caro Professor, li tua resposta a uma pergunta acerca do presente histórico (“no século passad, Fulano invade….) e fiquei curioso. Posso me referir a um acontecimento futuro usando o verbo no presente? O certo é “O Desembargador toma posse mês que vem” ou “O Desembargador tomará posse”? [David A.]
Meus caros Edgar e David: as dúvidas de vocês só poderão ser esclarecidas quando desfizermos a tradicional confusão entre o nome do tempo verbal e a situação temporal que ele indica (se algo já aconteceu, acontece ou vai acontecer). Nada nos impede de usar um verbo conjugado no presente do indicativo para designar também uma ação situada no passado ou no futuro:
(1) Em 1845, quando termina a Revolução Farroupilha, Garibaldi retira-se para Montevidéu. (passado)
(2) Alguém duvida de mim? (presente – agora)
(3) Cão que ladra não morde (presente constante, permanente)
(4) Amanhã a gente se reúne de novo (futuro)
O futuro do indicativo, apesar do seu nome, hoje raramente é usado para expressar ações futuras. Estaria totalmente fora do Português moderno culto quem dissesse “Em 2002, juro que não cometerei os erros do ano passado”; a forma mais recomendável (e, portanto, a mais adequada para quem procura a “correção”) é “Em 2002, juro não vou cometer os erros do ano passado”, ou mesmo, em segundo lugar, “Em 2002, juro que não cometo os erros do passado”. O futuro do indicativo (tempo verbal) é mais usado, na verdade, com outras intenções semânticas que não o tempo futuro. Em frases como “Onde andará Maria?” e “Não será ele o culpado”, exprime dúvida ou possibilidade (jamais a idéia de “ação futura”); em frases como “Não matarás” (lembrem-se dos Dez Mandamentos), é um substituto do Modo Imperativo.
No entanto, Edgar, tua intuição é válida quando te impacientas um pouco com o estilo dos jornalistas; é que a mídia impressa — principalmente nas manchetes — está elegendo o presente do indicativo como pau para toda obra, exatamente por essa polivalência que ele apresenta e por outras razões específicas, que agora estão sendo pesquisadas. Ou usam o presente para indicar passado (“Avião cai na Guatemala”, “Maníaco atira contra multidão e se suicida“), ou para indicar futuro (“Chile entra no Mercosul até 2010″, “Fulano só sai da cadeia depois do Carnaval”, ou para nos deixar confusos, mesmo, forçando-nos a ler a matéria toda: em frases como “Brasil toma medidas contra a tatuagem de menores” ou “Muda o vestibular das Federais”, só o texto vai nos dizer se tomou ou vai tomar, se mudou ou vai mudar. Notem que não estou condenando essa opção dos jornais (a não ser nos casos ambíguos, que são imperdoáveis); é evidente que não se trata de uma escolha por preguiça ou comodismo, mas sim ditada por características intrínsecas do discurso jornalístico, estudadas seriamente pela Lingüística; registro apenas o que está acontecendo. Abraço. Prof. Moreno
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