Caro professor: a respeito de verbos na forma imperativa, tenho visto muitos deles usados de forma diferente da que eu aprendi na escola. Por exemplo: olhar, OLHE; escrever, ESCREVA; ligar, LIGUE. Pois bem… frequentemente em rádios e televisões, ouço “LIGA agora pra nossa central”, “ESCREVE aqui pra rádio”. Há um comercial de celular no qual o verbo, que está no imperativo, é usado como LIGA, e até mesmo em uma capa de revista apareceu “OLHA a postura!”. Puxa, vendo isto em uma revista tão atual, só me resta pensar que esses verbos estão se incorporando ou se tornando aceitáveis. Espero que o senhor resolva de vez essa minha dúvida, que pode ser a de muitos e que me deixa espantada, ao ouvir e ler esses verbos desse jeito. Abraços. [Audrey C. — São Paulo]
Prezado Prof. Moreno: em primeiro lugar, parabéns por seu trabalho brilhante (e muitas vezes paciente…) no ensino de nosso tão atropelado idioma. Aprendi, ainda quando pequena, esta oração ao Anjo da Guarda, mas penso estar errada a conjugação dos verbos no imperativo. A oração é a seguinte:
Santo Anjo do Senhor,
Meu zeloso guardador,
Se a ti me confiou a piedade divina,
Sempre me REGE, GUARDE, GOVERNE, ILUMINE.
Como seria a forma correta? Desde já agradeço. Um abraço,
Angela S. — Porto Alegre (RS)
Prezadas leitoras, o que está incomodando vocês é o cruzamento das regras de conjugação do imperativo com a forma de tratamento que está sendo empregada (TU ou VOCÊ) — uma das misturas mais indigestas para quem hoje ainda tenta escrever corretamente o nosso idioma. Essas duas áreas já são problemáticas de per si; quando se juntam, é natural que o cenário fique ainda mais confuso. Vou esclarecer por partes.
O TRATAMENTO — Quando nos dirigimos a alguém, o Português moderno permite que escolhamos livremente entre tratá-lo por TU ou por VOCÊ; embora haja certas preferências regionais (já falei sobre isso em lê ou leia), qualquer brasileiro, em qualquer parte do país, é livre para usar a forma de tratamento que lhe aprouver. Quando comecei a construir este sítio, optei pelo TU, e assim eu uso até hoje. No jargão das gramáticas tradicionais, portanto, TU e VOCÊ são duas formas igualmente corretas para tratar a segunda PESSOA DO DISCURSO (definida como aquela a quem se fala). É importante frisar que, apesar de ambos se referirem à segunda pessoa (do discurso), tu pertence à segunda e você pertence à terceira PESSOA gramatical, exigindo as formas verbais e os pronomes respectivos. Comparem a frase “Se você não trouxe seu livro, vai se arrepender” com a frase “Se tu não trouxeste teu livro, vais te arrepender” — ambas corretas.
Numa espécie de darwinismo lingüístico, as duas formas passaram a disputar a preferência dos falantes. Ambas estão ainda em uso, mas a direção de tendência — ou seja, o rumo inexorável para onde os dados lingüísticos apontam — parece ser a supremacia absoluta do você e a retirada de cena do tu, assim como já aconteceu com o vós (lembro apenas que essa disputa vai durar alguns séculos, ao longo dos quais as hesitações vão naturalmente continuar ocorrendo). Nosso quadro verbal, então, vai reduzir-se a quatro pessoas (eu; ele,você; nós; eles, vocês).
O IMPERATIVO — Para fazer um convite, uma exortação, ou dar uma ordem — aquilo que a mitologia gramatical denominou de imperativo —, deveríamos usar formas verbais muito diferentes para o tu e para o você — eu disse “deveríamos”, porque na prática quase nunca isso acontece (leiam, por exemplo, vem pra Caixa você também). A forma que corresponde ao você é idêntica ao presente do subjuntivo, enquanto a que corresponde ao tu é uma forma própria, exclusiva, obtida a partir do presente do indicativo, com a perda do S característico:
COLABORE você COLABORA tu
DEVOLVA você DEVOLVE tu
INSISTA você INSISTE tu
FIQUE você FICA tu
Pois as formas com que cismaste, minha cara Audrey, são as que correspondem ao tu: “LIGA agora pra nossa central”, “ESCREVE aqui pra rádio”, “OLHA a postura!”. Pelo que dizes, presumo que preferirias ligue, escreva e olhe, correspondentes ao você. Elas não estão erradas; o que fez acender a tua luz de alerta, ao ver aqueles comerciais, foi simplesmente o fato de empregarem o tu acompanhado de suas respectivas formas verbais, que já soam estranhas para grande parte dos brasileiros.
Quanto a ti, minha prezada Ângela, estás certa em desconfiar do texto da oração, porque ele realmente está errado. Se a prece se dirige ao Anjo tratando-o por tu (como podemos ver na frase “se a TI me confiou…”), as formas do imperativo devem ser da segunda pessoa: “… me rege, guarda, governa e ilumina“. Acho que o E de REGE (que está correto) terminou influenciando na conjugação errônea dos três outros. Abraço. Prof. Moreno
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