Caro Professor: sou médico e há muito tempo questiono a forma como uma palavra bastante usada no nosso meio para designar falhas no desenvolvimento de certos órgãos ou estruturas é grafada: é malformação (sem hífen e com L, como no inglês malformation), ou mau-formação (já que não é uma boa formação), ou má-formação? (uma vez que o substantivo é feminino)? Procurei no meu dicionário (Celso Pedro Luft) e não encontrei a solução. Espero que possas me ajudar. Muito obrigado. Ricardo C. — Brasília-DF.
Meu caro Ricardo: como uma espécie de justiça poética, foi exatamente Celso Pedro Luft, em cujo dicionário procuraste a solução (e não encontraste), quem conseguiu esclarecer o problema da malformação. Muita gente compartilha contigo esta dúvida; malformação realmente parece uma estrutura inadequada, estranha aos padrões nosso léxico, já que estaria unindo um advérbio (mal) a um substantivo (formação); muito mais aceitável, dizem eles, seria má-formação, à semelhança de má-vontade, má-fé, mau-humor; malformação não passaria de uma adaptação desajeitada do Inglês maformation (ou do Francês, que também o usa).
Como eu dizia, quem matou a charada foi nosso professor Luft, meu mestre e patrono desta página. O equívoco, ensinava ele, é tentar interpretar os elementos constitutivos de malformação em termos de classes de palavras; o “mal” que temos aqui é um simples elemento formador, que atua num nível em que ainda não se distingue o adjetivo do advérbio. No Inglês, que não tem o vocábulo mal, este elemento é uma forma presa, um prefixo, presente também em malocclusion, malfunction, malnutrition, e foi assim que entrou no Português.
Como em nosso idioma existe a oposição adjetivo/advérbio entre mau, má/mal, alguns falantes reanalisam o vocábulo e pretendem nele enxergar, como elemento inicial, o adjetivo mau, na forma feminina (má), concordando com formação. Da mesma forma, nos ensina Luft, um francês também pode estranhar, no malformation lá deles, o fato de não estar ali o adjetivo mauvaise.
Acontece — e aqui bate o ponto! — que malformation, no Francês, não é um composto de [mal+formation], mas um substantivo derivado de um particípio: malformé + ation. É o mesmo que ocorre com malcriação, que não é um composto do advérbio mal mais o substantivo criação, mas sim um substantivo derivado do adjetivo malcriado, com o acréscimo do sufixo -ção. Diz Luft: “Vê-se que não tem cabimento a reformulação purista má-criação: evidentemente não se trata de criação que seja má, e sim de ação/qualidade (-ção) de malcriado“.
Parece uma explicação ad hoc? Pois não é; são muito freqüentes os exemplos desses substantivos formados a partir de estruturas [advérbio + verbo]: malversação, maledicência, malevolência (e benevolência), malfeitoria (e benfeitoria), maleficência (e beneficência).
Abraço. Prof. Moreno
P.S.: Houaiss e Aurélio-Vivo (2a.ed.) preferem malformação; o Aurélio XXI, coerente na sua ruindade, volta atrás e prefere má-formação.
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