Caro Professor Moreno: Sinto por antecipação o fato de talvez colocá-lo em situação delicada com a minha pergunta, que agrega um certo componente político. Entretanto, gostaria de conhecer a opinião de um estudioso da língua a respeito do controverso projeto de lei que está tramitando no Congresso, e que restringe o uso de palavras de origem estrangeira em nosso cotidiano. Concordo que em muitas oportunidades existe o uso de termos estrangeiros sem necessidade, mas vejo demaziado zelo à língua em certos deputados que deveriam estar mais preocupados não com o fato de alguém usar delivery no lugar de “entrega em domicílio”, mas com o fato de muitos sequer saberem o que é uma pizza. Creio que a popularização de um termo vem em grande parte de sua facilidade de uso (ou melhor adequação a uma situação do que o(s) vocábulo(s) nativo(s)…), mais do que do bombardeio efetivado pelos meios de comunicação em massa. Trata-se apenas de decidir onde traçar a linha divisória. Afinal, palavras estrangeiras que hoje são consagradas (como abajur), não o eram quando começaram a ser utilizadas. Não estariam nossos representantes no congresso se esquecendo de que a língua está sempre sofrendo um processo de mutação? Afinal, se delivery é uma expressão muito mais curta e que transmite, uma vez compreendido o seu significado, o sentido de forma mais adequada do que “entrega em domicílio” (afinal, se formos puristas, quem entrega em domicílios não entrega em escritórios…), por que não utilizá-lo? Cito um, mas obviamente estendo a minha posição a muitos outros termos hoje em uso. Reconheço a importância da língua “pátria”, mas no mundo cada vez menor em que vivemos, sou pela erradicação final de todas as barreiras — línguas incluídas — e, na verdade, não creio que o processo possa ser evitado como querem alguns deputados. Todavia, essa é apenas a minha opinião, e gostaria de confrontá-la amistosamente com a do senhor, cujos conhecimentos da língua certamente superam os meus “many fold“. Um abraço. Adriano A. — São Paulo
Meu caro Adriano: concordo contigo em gênero, número e caso. Os “estrangeirismos” de ontem (futebol, túnel, buquê, clube, esporte, etc.) são hoje pacatos cidadãos brasileiros. Não sei se o deputado Aldo Rebelo percebeu, mas sua proposta é de cunho fascista, repressor e mal-humorado. Mussolini propôs a mesma coisa; a direita francesa de Le Pen, igualmente. É assim que as coisas começam: apontar estrangeirismos, limpar, expurgar — tudo isso em nome de uma pureza lingüística; depois, vem a limpeza étnica; depois, a ideológica — já não viste este filme? O Millôr, escrevendo na Folha, um dia desses estrilou contra o autoritarismo dessa maluquice. Eu estou cozinhando um artigo sobre o tema, mas vai demorar um pouco para sair: devido à emocionalidade com que o assunto vem sendo tratado, preciso estar bem fundamentado.
Fico admirado (ou não?) de ver um deputado do PC do B propor uma barbaridade dessas, que, para piorar ainda mais, não tem o menor fundamento lingüístico! Sou meio a la antiga: tenho a idéia ingênua de que os deputados deveriam se preocupar com coisas que eles (ou, ao menos, seus assessores) entendam. Nossa língua não está ameaçada; ela engole tudo e depois cospe o que não lhe serve. Não precisa da nossa ajuda, muito menos a de deputados populistas. O que me assusta é a passividade com que as pessoas assistem a esse circo; são raras as vozes que ousam discordar, até mesmo porque a causa parece vagamente justa (“trata-se de defender a nossa língua, que diabo!”). Muitos leitores já me escrevem para perguntar quais os estrangeirismos (outro termo fascista!) estão vetados! Só posso responder que, felizmente, ainda podemos usar as palavras que quisermos e quando quisermos. Quando isso já não for possível, aí sim o Português estará ameaçado: morre nosso pensamento e, junto com ele, a nossa linguagem. Abraço. Prof. Moreno
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