Olá, Doutor. Tudo bem? Falando sobre a palavra para, o senhor afirmou: “Só se ouve para, completinho, com as duas sílabas, em leitura de criança recém-alfabetizada ou na fala de estrangeiro que está aprendendo Português”. Mas quando uso a combinação para com, por exemplo (“Isso não é honesto para com você”), eu digo para com duas sílabas mesmo, como uma criança ou como um estrangeiro… Como o sr. diz? Pra com ou ? Ou evita esse modo de falar?
Anselmo Maruyama — Japão
Prezado Anselmo, ensinamos, no Curso de Letras, que uma coisa é o que a gente diz, outra o que a gente pensa que diz. Há uma série de exercícios que são feitos com os alunos-mestres, gravando, por exemplo, o que eles dizem em situações descontraídas, e depois confrontando a gravação com o que eles juravam costumar fazer. O para preposição é um dos raros vocábulos átonos que é dissílabo na escrita, mas, como é óbvio, monossílabo na fala: /pra/. Evidente que, na fala escandida, posso pronunciá-lo com duas sílabas cheias — quando eu dito, por exemplo, ou quando quero ser enfático, ou quando foco na preposição (focar, em linguagem, é destacar um determinado segmento da fala através de uma peculiar alteração na sua pronúncia: “Ela tinha dito que ia AO Rio, não PARA o Rio”).
O exemplo que tu mandaste é significativo: para com é uma construção erudita, exclusiva do Português Escrito Formal (no Falado, só aparece em discurso escrito ou semi-escrito, como a fala de desembargadores em sala de sessão, por exemplo); aposto um boi gordo que tu, quando o escolheste como exemplo, estavas mais lendo mentalmente do que usando-o espontaneamente — daí te parecer quase impossível aparecer aqui o /pra/. Não é impossível, não; só que, como expliquei, o momento em que normalmente se usa para com é aquilo que chamamos fala tensa, em que o falante está aplicando conscientemente o sistema de regras da escrita. Eu, em aula, falo de uma forma que seria inadmissível na minha vida normal: pronuncio os erres finais dos verbos no infinitivo, digo /fêcho/, etc. Se um estudioso estrangeiro gravasse minhas aulas, não poderia, com esse material, descrever nossa Língua Portuguesa, pois se trata apenas de um uso muito particular dela. Abraço. Moreno