A musse ou O musse? A fondue ou O fondue? A pen drive ou O pen drive? Veja as escolhas do Professor nessas questões de gênero.
A coluna de hoje vai para a jovem gauchinha que nos mandou sua pergunta diretamente de Milwaukee, nos EUA. Ela ainda não completou seus dez aninhos, mas pertence a uma geração que, ao contrário de muitos dos que lêem esta coluna, considera o computador tão corriqueiro quanto era, na minha infância, o bom rádio de válvulas. Nossa pequena correspondente se mostra completamente à vontade na internet, tem seu próprio endereço eletrônico e está acostumada a folhear a ZH pelo ClicRBS (que inveja, hein, professor Leite?). Acontece que, lá no frio e distante Wisconsin onde ela está, ninguém da família conseguiu esclarecer sua dúvida a respeito do gênero desse útil dispositivo — se eu escrevesse em Inglês, usaria o termo gadget; na minha vida civil, diria simplesmente trequinho… —, essa memória de bolso que atende pelo nome de pen drive. Aconselhada pela mãe, que já foi minha aluna, a filha veio perguntar: “Minha madrinha vai me dar um presente. Eu quero UM pen drive da Barbie, mas o pai acha que se fala UMA pen drive. Qual delas o senhor prefere?”. Em três linhas, respondi que continuasse a usar o masculino — como, aliás, já estava usando —, e pedi que não se acanhasse em me consultar quando tivesse qualquer outra dúvida. O que segue, abaixo, é uma explicação mais detalhada do meu ponto de vista.
Este não é o primeiro, nem será o último caso em que nossos falantes vão ter dúvida quanto ao gênero de palavras importadas. A hesitação é praticamente inevitável, já que nada pode nos dizer, de antemão, se o vocábulo vai ser masculino ou feminino quando chegar aqui. É claro que isso não ocorre naqueles vocábulos que se referem a seres sexuados, como bode e cabra, lobo e loba, galo e galinha, em que a Natureza já se encarregou de desmanchar qualquer indefinição; nos demais substantivos, no entanto, a atribuição de um gênero ou outro obedece a princípios nem sempre muito claros, geralmente ligados ao perfil fonológico da palavra (entre os países, por exemplo, só os terminados em -A átono são considerados femininos, com exceção do Quênia e do Cambodja; as árvores frutíferas têm o mesmo gênero que a fruta que produzem, com exceção da figueira; e assim por diante).
Ao ingressar em nosso idioma, portanto, qualquer vocábulo importado deverá ser classificado mentalmente pelo falante num dos dois gêneros que o Português reconhece, sem garantia alguma de que vá coincidir com o gênero que tinha no idioma de origem. Há casos clássicos de palavras que mudaram de gênero na travessia do Atlântico: robe e brioche, que são femininos no Francês, entraram aqui como masculinos; como já mencionei em outro artigo, la cocarde virou O cocar, la purée virou O purê (ou, na linguagem das crianças, o pirê) e la enveloppe virou O envelope. Esses são casos decididos, mas existem os que ainda estão sub judice, aguardando o julgamento silencioso do uso. O primeiro deles é fondue; no Francês e no Italiano, é vocábulo feminino (la fondue e la fonduta, respectivamente), mas aqui, embora ambos os gêneros sejam aceitos por dicionários modernos como o Houaiss e o Aulete, o masculino vai liderando na razão de dez por um (para não deixar dúvida)!
Croquete é outro caso que, mesmo havendo alguma divergência nos dicionários, já está decidido, a meu ver. No séc. XIX, quando o vocábulo fazia sua estreia na nossa língua, Machado ainda fala em “UMA croquette“, à francesa, mas logo o uso privilegiou amplamente o masculino, chegando hoje à razão esmagadora de trinta por um (para isso também serve o Google) — o que torna incompreensível, para mim, a teimosia solitária do Houaiss em registrá-lo exclusivamente como substantivo feminino (posso imaginar a turma do velho Pasquim falando, fesceninamente, em “agasalhar UMA croquete“!). Um pouco mais indefinido é o caso de musse; os dicionários recomendam o feminino, com o que concordo (a musse, uma musse), mas vejo que um grupo crescente de falantes emprega o masculino; enquanto o tempo não dá sua sentença final, teremos de aceitar ambas as formas.
O pen drive é mais um tipo de drive, entre os muitos que um computador envolve. No Inglês, que é o idioma falado pela Informática, existem também os flash drives, os usb drives, os hard drives, os external drives, e por aí vai a valsa. O pen drive recebeu este nome por ter a forma (aproximada) de uma caneta. Como acontece no Inglês, o modificador vem ANTES do núcleo, mas nosso bom povo brasileiro, não sabendo disso, inverteu o processo e pensa que se trata de uma caneta (pen), da qual o drive seria apenas uma especificação: assim como temos caneta-tinteiro, teríamos uma caneta [que é drive] — quando, na verdade, temos um drive [que é caneta]. Daí o masculino.
Depois do Acordo: lêem > leem
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