Caro Professor Moreno, escrevo para perguntar sobre uma dúvida que tive ao ler seu texto sobre “maiúscula após dois-pontos“, onde o senhor diz que “as regras que estipulam o seu emprego são poucas e (ao meu ver) equivocadas”. Não compreendi o uso de AO MEU VER, pois até onde sei, a forma correta é A MEU VER. Desde já agradeço a ajuda
Vitório M. – Porto Alegre
Meu caro Vitório, eu já tinha ouvido falar nessa curiosa condenação do “ao meu ver”, mas não sabia de onde tinha partido essa lenda urbana. Andei campeando por aí e acho que localizei a fonte num velho professor paulista, de muito maus bofes e pouca ciência. Ele escreve um desses manuaizinhos do tipo “Não erre mais!”, cheio de dicas duvidosas, que são, como era de esperar, imediatamente divulgadas em milhares de pontos da internet.
Se o falante do Português tem a opção de usar, ou não, o artigo definido antes do pronome possessivo , por que cargas d’água só neste caso seria “proibido”? De onde ele tirou esse disparate? O que esse professor deveria dizer (e o conselho vale também para ti) é que ele “prefere” a forma sem artigo. Pois é bom ficar sabendo que outros preferem usá-lo, como, por exemplo, o velho Rui Barbosa (“Supondo por momentos a hipótese, aliás distante, ao nosso ver“; “Era uma ilusão desinteressada e generosa, mas, ao nosso ver, politicamente deplorável”), Aluísio de Azevedo (“sua modesta procedência, longe de fazer-lhe carga, dava-lhe até boas vantagens, ao meu ver“; “Leandro, pois, ao meu ver, nada por si só representava”), Emílio de Menezes (“Homem, ao meu ver – disse-nos o poeta – devemos todos…).
O mesmo se aplica, é claro, a locuções similares a essa, como EM/NO meu entender, A/AO meu modo, etc. No séc. XVI, Fernão Mendes Pinto e Rodrigues Lobo preferem usar o artigo (“celebravam grandes exéquias com pompas fúnebres, ao seu modo, muito custosas”; “fazem alguns ao seu modo, como um letrado”). Machado, bem mais recente, também usa: “No meu entender, é mesmo uma obrigação”; ‘A nova filha era, no seu entender, uma intrusa”). Em Portugal, fazem o mesmo Júlio Dinis (“Este silêncio é, no meu entender, de máxima significação”) e Garret (“As instituições monásticas eram, no seu entender, condição essencial”) — e por aí afora, que eu não vou perder o meu e o teu tempo com uma imensa relação de exemplos.
Como podes ver, Vitório, não são poucos — nem incultos — os usuários do idioma que optam pela presença do artigo. Foi essa liberdade de escolha que exerci; aliás, se confrontares “a meu ver” e “ao meu ver” no Google, verás que a segunda forma, com o artigo, tem o dobro de ocorrências da primeira. Isso não significa que ela seja a “vencedora” ou a “preferível” — mas deixa totalmente sem fundamento opiniões autoritárias como a desse manualzinho que envenenou tuas idéias. Abraço. Prof. Moreno