(conclusão)
Há quem acredite que a etimologia, que investiga o significado inicial das palavras que usamos, sempre nos aproxima de alguma verdade originária que ficou encoberta sob o manto do tempo. Sob esta óptica, os etimologistas seriam verdadeiros “decifradores” da realidade, encarregados de apontar para o homem comum uma série de relações que ele jamais enxergaria sem a devida assistência. Pois não é bem assim — ou, dizendo melhor, é quase isso: a determinação da origem de um vocábulo não revela nada sobre aquilo que ele denomina, mas sim sobre as crenças e concepções que nossos antepassados tinham sobre as coisas. Eles pensavam, por exemplo, que a malária era causada pelo ar estagnado dos pântanos — daí o nome, derivado do Italiano mala + aria, “mau ar” (isso, é claro, antes da Humanidade saber que existiam protozoários responsáveis pela doença e que um simples mosquito podia ser seu agente transmissor). Como se vê, a etimologia nada acrescenta ao conhecimento que temos da enfermidade, mas serve para nos lembrar quanto tempo levamos para descobrir os micro-organismos…
Atendendo a um apelo de Luís Carlos Valério, professor de Filosofia formado pela UFSM, vimos na coluna anterior que o vocábulo aluno vem do Lat. alumnus, derivado do verbo alere, “nutrir, alimentar”, e não tem relação alguma com lumen, “luz”. Inicialmente, portanto, significava “aquele que é alimentado”, e não, como sugerem alguns, “aquele que não tem luz”. Esta etimologia de caracacá é insistentemente defendida por pedagogos de várias instituições, os quais devem ter constituído, em segredo, a Associação dos Inimigos da Palavra Aluno, certamente dotada de estatuto, hino e juramento secreto.
Pois agora alguns membros mais espertos desta seita, vendo que não havia fundamento algum para atacar a palavra por sua etimologia, adotaram a estratégia de condená-la pelo uso que dela faziam os romanos, seus legítimos donos. Esta palavra, dizem eles, está irremediavelmente maculada na sua origem, pois há vários textos antigos em que o termo alumnus é usado para designar um menor criado fora de sua família, às vezes adotado, às vezes meramente tolerado no seio das famílias poderosas, uma espécie de moleque exposto às diversões (e talvez perversões) de seus senhores. Desta vez, ao menos, não é uma versão ridícula como aquela do “sem luz” — mas também, já vou avisando, não pode ser levada ao pé da letra.
Em primeiro lugar, porque alumnus era usado com um sentido muito mais amplo e digno do que os textos mencionados, escolhidos a dedo, sugerem. Como era extremamente comum recorrer a amas-de-leite, alumnus designava aquilo que chamamos, em vernáculo, de “filho de leite” — passando, por causa disso, a designar também o discípulo com relação a seu mestre. A literatura da época está repleta de exemplos; como desconfio que os membros dessa seita não tenham muito convívio com os autores clássicos, faço questão aqui de fornecer alguns. Ovídio conta que Baco, ao nascer, é confiado por Zeus à ninfa Ino — e usa o termo alumnus. Mais tarde, quando o jovem deus é educado por Sileno, torna-se também seu alumnus. O nobre Eneias, quando lamenta a morte de sua velha ama, declara ser seu alumnus. Amiano Marcelino, em sua História, conta que Juliano, ao falar na sua sucessão à testa do exército romano, declara, com orgulho: “Como verdadeiro alumnus da pátria que sou, desejo ardentemente que o exército escolha um chefe à sua altura”. Onde está o depreciativo?
Em segundo lugar, foi este sentido de filho ou discípulo que a tradição ocidental atribuiu ao vocábulo. Camões — que eles também não devem ter lido — exalta, no Canto VIII, o grande Nuno Álvares Pereira:
Ditosa pátria que tal filho teve!
Mas antes, pai, que enquanto o Sol rodeia
Este globo de Ceres e Netuno,
Sempre suspirará por tal aluno.
Francisco Manuel de Melo, elogiando Antônio de Menezes, diz que com sua morte “a Pátria perdeu um aluno, Marte um discípulo, as Musas um amigo”.
E aí? Acho que não preciso demonstrar que o sentido, aqui, é antes laudatório do que pejorativo… É exatamente por isso que os americanos que concluem o curso superior intitulam-se, com orgulho, de alumni da sua universidade, a que denominam significativamente de sua Alma Mater (“mãe nutridora”). Não me venham, portanto, com histórias; este sempre foi o sentido que a palavra teve em nosso idioma. Aliás, quem conheceu verdadeiros professores costuma prestar a eles uma homenagem ao dizer “Fui seu aluno” — com gratidão e orgulho. Eu, por exemplo, fui (e continuo sendo) aluno do professor Luft, e dele falarei na próxima coluna.