Um balaio de femininos

Assim como já fizemos com os plurais, aqui vai um balaio contendo vinte respostas rápidas sobre o feminino em nosso idioma.

 

elefanta, elefoa

Janaíne, de Belo Horizonte, quer saber se o feminino de elefante é elefanta ou elefoa. Diz que já assistiu a vários programas de televisão que consideram elefoa, mas nas gramáticas que consultou ela encontrou elefanta.

RESPOSTA — Minha cara Janaíne: nos textos clássicos não há registro algum de elefoa; alguns autores utilizam o feminino aliá, mas é um vocábulo oriundo do Ceilão e só se aplicaria ao elefante indiano. Tanto na linguagem culta quanto na usual a forma soberana é elefanta.

 

feminino de réu?

Fábio R. ouviu de uma colega que a mãe dela “poderia tornar-se ” num processo judicial, e quer saber se isso está correto — ou seria réu, ainda que se trate de uma mulher?

RESPOSTA — Meu caro Fábio: claro que existe o feminino! “Esta companhia é em doze processos trabalhistas”, “O juiz condenou a a dois anos de detenção”. Isso tu encontras em qualquer dicionário! Agora, em termos genéricos, falando nos dois pólos do processo, a mãe de tua amiga poderá figurar como réu: “Quem é o autor? A senhora Fulana de Tal. Quem é o réu? A senhora Beltrana dos Anzóis”.

 

anfitriã ou anfitrioa

O leitor Ubiratan diz que sempre tem ouvido anfitriã, mas que a forma anfitrioa lhe parece mais correta. E eu, o que penso?

RESPOSTA — Meu caro Ubiratan: tanto pode ser anfitrioa quanto anfitriã. Essa indefinição é uma das características dos nomes em –ão, que apresentam flexões variadas, ora em gênero, ora em número. Só para exemplificar, dei uma recorrida no Aurélio XXI e catei alguns vocábulos que admitem a variante em “-oa , além de -ã: anfitrioa, alemoa, ermitoa, faisoa, tabelioa, teceloa, viloa. Minha intuição lingüística me diz, entretanto, que as formas em são consideradas hoje mais cultas que as outras: anfitriã, alemã, ermitã, vilã.

 

tigresa

Flávio S. escreve sobre o feminino de tigre. Segundo ele, o Aurélio diz que é tigresa, porém seu professor discorda, afirmando que é “tigre fêmea“. Qual é o correto?

RESPOSTA — Meu caro Eduardo: tanto o Aurélio quanto o Houaiss registram tigresa como um feminino possível para tigre. Talvez essa forma tenha sido importada do Espanhol, onde ela é de uso comum, mas isso não importa. Tradicionalmente, aparece muito o “tigre fêmea”, mas o séc. XX viu também o incremento do uso do feminino sufixado. Escolhe o que te aprouver.

 

auto-elétrica

Adalberto, de São Paulo, diz que tem muita admiração pelo Sua Língua e aproveita para me dar os parabéns. Gostaria também de saber qual é o correto, se é auto-elétrico ou auto-elétrica.

RESPOSTA — Meu caro Adalberto: auto-elétrico é um adjetivo composto, do mesmo tipo que médico-cirúrgico. Como tal, ele vai concordar com o substantivo a que estiver ligado, flexionando sempre o segundo elemento do composto: tratamento médico-cirúrgico, clínica médico-cirúrgica, plantões médico-cirúrgicos. Da mesma forma, serviços auto-elétricos, oficinas auto-elétricas. Na rua, geralmente vemos auto-elétrica porque aqui se pressupõe claramente o vocábulo oficina (o mesmo substantivo feminino que está por trás da concordância de “retificadora de motores”, “vulcanizadora de pneus”, etc.

 

feminino de Reitor

Acir C., de Ponta Grossa (PR) pergunta: “Em nossa universidade surgiram algumas polêmicas e ninguém chegou a conclusão alguma. Nosso Reitor é um homem. A vice dele é uma mulher. Como ela deve ser chamada? Vice-Reitor ou Vice-Reitora? As mulheres são pró-reitores ou pró-reitoras?”

RESPOSTA — Prezado Acir, vejo que o machismo aí é pior do que em meu estado, o Rio Grande do Sul! Na UFRGS, tivemos, há pouco tempo, uma reitora; ela indicou vários pró-reitores e várias pró-reitoras. Com a inevitável ascensão da mulher, todos os cargos estão sendo flexionados no feminino: temos desembargadoras, senadoras, prefeitas, reitoras, juízas, promotoras (dá uma lida em Existe generala?). O que as mulheres daí dizem dessa polêmica?

 

gênero de omelete

Valquíria C., de São Bernardo do Campo, tem uma dúvida para qual ainda não encontrou resposta: deve dizer “vou fazer um omelete ou uma omelete”?

RESPOSTA — Minha cara Valquíria: embora o Houaiss omelete como sendo indiferentemente masculino ou feminino, prefiro seguir a lição do mestre Aurélio e considerar o vocábulo como feminino; não foi por acaso que a variante que se formou (e que ambos os dicionários registram) é omeleta. Portanto, fica com “vou fazer uma omelete” — e bom proveito.

 

gênero de “marmitex”

As professores Lena e Nilma F. perguntam se marmitex é palavra masculina ou feminina, formada por derivação de marmita.

RESPOSTA — Minhas caras: Marmitex, que eu saiba, não é palavra, mas uma marca comercial de papel aluminizado e afins (certamente derivada de marmita). Qual é o gênero? Não sei, porque a concordância, em casos como esse, é feita com relação ao objeto designado. Se for uma dessas “quentinhas” de alumínio, seria então “uma marmitex” — do mesmo modo que “uma gilete” (lâmina), “um modess” (absorvente), “uma havaiana” (sandália) — todas elas tradicionais marcas da indústria.

 

numeral no feminino

Alguém (ou algo) chamado Mweti, extremamente gentil, pergunta se o numeral 31.202, na frase “Durante o ataque, 31.202 mulheres foram feridas”, deveria ser lido “trinta e UMA mil, duzentas e duas mulheres”.

RESPOSTA — Prezado Mweti (?): tua intuição está correta; “trinta e uma mil mulheres” + “duzentas e duas mulheres” = “trinta e uma mil, duzentas e duas mulheres”.

 

feminino de beija-flor

Renata M. escreve da Virgínia, nos EUA, perguntando se a palavra beija-flor possui feminino, e por quê.

RESPOSTA — Minha cara Renata: não, beija-flor não tem feminino. As pessoas (e, conseqüentemente, o idioma) não distinguem os sexos das aves, exceto aquelas que, pela importância econômica (produção de ovos, por exemplo), precisam ser separadas em machos e fêmeas: pato, pata; galo, galinha; peru, perua; marreco, marreca. As demais — garça, pardal, ticotico, bem-te-vicurrupião, pintassilgo, águia, etc. — são tratadas como sendo de um só gênero. Às vezes hesitamos na hora de determinar o gênero de uma delas, mas isso é outra coisa: uns dizem um, outros uma sabiá, mas vão usar consistentemente a sua opção tanto para machos quanto para fêmeas.

 

plenário, plenária

O leitor Rosalino pergunta a diferença entre plenário e plenária.

RESPOSTA — Prezado Rosalino: Plenário é a sala onde se reúnem os parlamentares, os deputados, etc. (“Muitos servidores públicos lotavam o plenário da Assembléia“). Plenária é uma forma reduzida de referir-se a uma reunião: “Poucos professores participaram da [reunião] plenária de ontem à noite”.

 

búfala

Cleide A., de São Paulo, relata uma discussão com os amigos, numa pizzaria: “O correto é pedir pizza de mozarela de búfala, como está no cardápio, ou mozarela de búfalo? Logo alguém alegou que búfalo não tem feminino…”

RESPOSTA — Prezada Cleide: como não tem feminino? Claro que tem! É búfala, mesmo. Cuidado quando olhares no dicionário: quando ali diz “s.m.”, isso não significa que não tenha feminino. Basta procurar aluno, ou menino, e vais ver que o dicionário apenas diz qual é o gênero desta forma que encontraste — mas isso não se refere à  existência ou não da forma feminina. O Houaiss registra, com todas as letras, no verbete búfalo: “Fem.: búfala”.

 

muito dó

A leitora Tânia C., gaúcha, mantém uma discussão cordial com alguns amigos mineiros, que juram que a palavra (“pena”) é do gênero feminino, empregando expressões como “tenho uma de fulano” ou “me dá uma daquelas”. Qual é a forma correta?

RESPOSTA — Minha cara Tânia: , no sentido de “pena, piedade”, é um substantivo masculinotanto na opinião do Houaiss, como na do Aurélio, nossos dois dicionaristas mais abalizados. Aliás, a quase totalidade dos oxítonos em Ó são masculinos, como xodó, cipó, , etc., o que me faz estranhar muito essa tendência de certos estados do país (não é só Minas…) usarem como feminino. A única explicação seria uma confusão semântica com pena, a partir de analogias do tipo “estou com muita pena” = “estou com *muita dó“.

 

o gride de largada

Milton Sebastião pergunta sobre o gênero da palavra grid: é masculino ou feminino? Usamos O grid ou A grid?

RESPOSTA — Prezado Milton: embora alguns (poucos) usem o feminino, talvez por associarem a grade, a esmagadora maioria dos brasileiros (na informática, na cartografia, no automobilismo) usa o vocábulo como masculino (o grid, ou, como vai terminar ficando, o gride). É como substantivo masculino que o vocábulo vem registrado no dicionário Houaiss.

 

gênero de paradigma

Rita, de Belo Horizonte, que trabalha em um escritório de advocacia, escreve para dizer que o seu chefe, ao falar de um acusado, costuma dizer que ele é um paradigma; se for uma acusada, diz que ela é uma paradigma. “Afinal, paradigma é um substantivo de dois gêneros?”

RESPOSTA — Prezada Rita: se entendi bem, o problema é saber se paradigma se comporta como analista: um analista, uma analista. Ora, é claro que não; paradigma, como testemunha, é vocábulo de um gênero só: ele é uma testemunha, ela é uma testemunha; ele é um paradigma, ela é um paradigma.

 

formanda

Renato G., de Porto Alegre, reclama que o Aurélio, tanto quanto o Houaiss, indicam o verbete formando como substantivo masculino. Pergunta: “Devo falar nos convidados do formando ou da formanda Denise?”

RESPOSTA — Meu caro Renato: este é um cacoete de nossos dicionários. Eles registram os substantivos no masculino singular (o que é boa técnica), mas insistem em especificar, a seguir, “s.m.” — como se esse fosse o único gênero que o vocábulo admite. Examina aluno e cantor , por exemplo, e vais encontrar essa indicação defeituosa. Eles deveriam indicar que o vocábulo tem os dois gêneros, ou limitar-se a indicar “s.m.” e “s.f.” quando se tratasse de substantivo de um só gênero. É claro que existe formanda, assim como formandos e formandas.

 

gênero de mascote

A leitora Vera H. vem gentilmente perguntar se mascote é masculino ou feminino.

RESPOSTA — Minha cara Vera: mascote é um substantivo feminino; “aquele carneiro é a mascote do regimento”, “o papagaio era a mascote preferida dos indígenas”, e assim por diante. Assim vem no Houaiss e no Aurélio; acho que há, contudo, uma forte tendência a considerar este substantivo como um comum-de-dois, como estudante (O mascote, A mascote), dependendo do gênero do animal a que se refere. Em breve os dicionários vão ter de registrar essa dupla possibilidade.

 

masculinos terminados em A

Kleber S. escreve de Hannover, Alemanha, indagando sobre substantivos masculinos que terminam em A. Diz ele: “Conheço uma exceção clássica como planeta e sei que existem aqueles que se aplicam aos dois gêneros, como pateta. Existe algum outro substantivo masculino terminado em a ou feminino com final o?”.

RESPOSTA — Meu caro Kleber: existem vários substantivos masculinos terminados em A: planeta, cometa, mapa, tapa, tema, diadema, sofisma, diagrama, telefonema, aneurisma, etc. — muitos deles, não por acaso, considerados femininos até o século XVI (Camões usava escrever “A cometa”, “A planeta”). Agora, femininos em O são raríssimos; temos tribo, libido e reduções de vocábulos maiores, como foto e moto.

 

arquiteto, arquiteta

Escreve a leitora Gabriela A.: “Bondoso Professor, gostaria de esclarecer a seguinte dúvida: arquiteto é um substantivo exclusivamente masculino? Posso escrever que uma mulher é uma renomada arquiteta, ou essa palavra não é usada no feminino?

RESPOSTA — É evidente, dona Gabriela, que arquiteto é um substantivo masculino, mas arquiteta é a forma feminina correspondente! “Fulana é uma renomada arquiteta“, é claro. Esse é um erro técnico de nossos dicionários: registrar, ao lado dos substantivos de dois gêneros, a rubrica s.m., entre parênteses. Olha em qualquer dicionário e vais encontrar “aluno (s.m.), “lobo (s.m.)”, dando a falsíssima impressão de que eles só têm uma forma — quando, sabes muito bem, o Português tem aluna e loba desde o séc. 12. Só na França, por uma dessas coisas inexplicáveis, os substantivos ligados a profissões não admitem feminino — mas as francesas já estão fazendo um movimento bem aguerrido para terminar com essa discriminação.

 

a cal

Fábio M., de Juiz de Fora (MG), entregou um trabalho seu para ser revisado e ficou em dúvida quanto a uma correção feita pela professora de Português: “Escrevi que O cal era utilizado na indústria para neutralização química, e ela modificou para A cal. Gostaria de saber sua opinião”.

RESPOSTA — Ora, Fábio, a “minha opinião” é que a razão está com a professora que te corrigiu. Todos os dicionários dão cal como substantivo feminino (ao contrário de sal, por exemplo, que é masculino). É por isso que se fala em cal hidratada, cal viva, etc.


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