Um dia alguém vai ter de explicar por que os linguistas e professores que integraram a Comissão de Língua Portuguesa do MEC não denunciaram as incongruências do Acordo, que saltam aos olhos a quem lê o texto com o mínimo de atenção.
Na coluna anterior, que comemorou o adiamento da obrigatoriedade das novas regras para 2016, começamos a apontar ─ para que meus leitores saibam e não esqueçam ─ os responsáveis, tanto externos quanto internos, por este imbróglio em que agora nos vemos metidos. Acho importante nomeá-los porque, acuados pelo decreto da presidente Dilma, esses mesmos responsáveis começam a se defender acusando os críticos da Reforma de “mal-intencionados ou desinformados”. Eu, que não sou nem um nem outro, resolvi então expô-los à luz do sol, esperando, como na história do Drácula, que os humanos sobrevivam e os vampiros virem pó.
A Comissão ─ Como responsáveis externos, vão para o quadro da infâmia, como vimos, os membros da Comissão que redigiu e aprovou o Acordo, por sua espantosa desonestidade intelectual: ao aceitarem, como fizeram, centenas de grafias divergentes, eles deveriam, se tivessem o mínimo espírito cívico, declarado o encerramento dos trabalhos, admitindo publicamente que o projeto era inexeqüível. Contudo, por vaidade, por interesse político ou por ambos, preferiram prosseguir mesmo assim em direção ao abismo, condenando todos os países lusófonos a esta Reforma tão singular que, como não unifica o que propunha unificar, não diz a que veio ao mundo.
O Governo ─ Os responsáveis internos são muitos. O primeiro ─ e, por isso, o maior de todos ─ foi o governo Lula, pela pressa e pela forma irresponsável com que sancionou o projeto e passou às etapas seguintes de sua implementação. Por que o Brasil não seguiu Portugal, Angola e Moçambique (para citar nossos parceiros mais importantes nesta empreitada), que decidiram esperar até 2016 para concretizar a Reforma? Suspeito que por trás desse açodamento estivesse a intenção de pôr mais uma moeda no cofrinho do “protagonismo político-diplomático brasileiro”; o Itamarati (sem o ípsilon, revisor; chega dessa frescura! Queremos o mesmo tratamento que têm Itaqui, Ivoti e Panambi, para citar apenas alguns) ─ o Itamarati, repito, deve ter recomendado ao presidente que não esperasse o tiro de partida e desembestasse pista afora, assumindo, “na manha”, a liderança entre os países lusófonos… É por isso que o adiamento decretado pela presidente Dilma está incomodando tanta gente: além de ser uma vitória do bom senso, vem derrubar mais um falso brilhante da coroa com que seu antecessor se pavoneava.
O MEC e a Universidade ─ É absolutamente inadmissível que os sonhos pessoais de um político sejam postos acima das sérias conseqüências culturais e pedagógicas da implantação de uma Reforma desse tipo, mas os defensores do ex-presidente agora alegam que ele foi mal aconselhado pelo MEC ─ o que é inegável. Não sei o que Lula teria feito se o grupo designado para examinar o impacto da Reforma ─ a Comissão de Língua Portuguesa, a tal COLIP ─ tivesse recomendado menos pressa com o andor, mas o fato é que ela não o fez. Inexplicavelmente, os lingüistas e professores de língua portuguesa que integravam a comissão não denunciaram (com raras e corajosas exceções) as incongruências do Acordo, que saltam aos olhos a quem lê o texto com o mínimo de atenção, nem sugeriram cautela na implantação de uma Reforma que, como já se via, servia apenas para introduzir algumas mudanças quase cosméticas no sistema vigente.
A não ser por alinhamento ideológico com o governo que terminou, fica difícil entender o silêncio conivente desses e da quase totalidade dos demais doutores de nossas universidades, os quais, por sua formação e por sua capacitação intelectual, devem ter enxergado, muito antes que os simples habitantes da planície, o esvaziamento do princípio justificador da Reforma e não deram o sinal de alerta. Afinal, a norma ortográfica já estava há muito consolidada; o dispêndio colossal de recursos para implantar um novo modelo (pobre Angola! … pobre Moçambique!) só seria justificado se houvesse um ganho significativo com a mudança ─ o que, todos estamos vendo, simplesmente não vai ocorrer. Os problemas do Acordo e do VOLP, tão evidentes, contrastavam de tal maneira com o silêncio dos acadêmicos que recordei várias vezes, nesta coluna, a trágica figura de Cassandra, a filha de Príamo, o último rei de Tróia, condenada a viver uma situação absurda, mas semelhante à nossa: ela via claramente o que estava prestes a acontecer, mas ninguém parecia ouvir os seus avisos (confira AQUI as honestas advertências que esta coluna vem fazendo desde 2007).
Depois do Acordo:
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