Caro Professor: após acompanhar atentamente os últimos acontecimentos no Afeganistão, e profundamente sensibilizado com o povo afegão, gostaria de saber qual é o plural correto de afegão. E o plural de talibã?
Pedro F. — Rio de Janeiro (RJ)
Meu caro Pedro: o plural dos nomes terminados em ÃO não é coisa muito simples, como bem sabes. Hoje temos uma só forma no singular (leÃO, irmÃO, alemÃO), mas três formas no plural (leÕES, irmÃOS, alemÃES). Tua pergunta (e a de muitos outros leitores) pode ser traduzida da seguinte forma: qual dessas três terminações (-ÕES, -ÃOS ou –ÃES) vai formar o plural de afegão?
Como é que se escolhe entre elas? Quando as gramáticas registram a tripla possibilidade para o plural de vilão (vilões, vilães e vilãos) ou para aldeão (aldeões, aldeães e aldeãos), estão apenas refletindo o estado de hesitação de nossa língua, que teve paralisado, pela difusão do texto escrito, um movimento em direção a uma forma única de plural (-ões, sem dúvida alguma). Essa seria a situação ideal: ou teríamos três singulares diversos para três plurais diversos, ou apenas um singular e apenas um plural. No entanto, ficamos assim suspensos no meio da evolução, com um único singular e três plurais diferentes, e temos de conviver com isso. Todos os aumentativos e todos os novos vocábulos em -ÃO que ingressam no Português fazem o plural em –ões, o que o credencia, estatisticamente, como o plural canônico para os vocábulos com essa terminação. Os outros (poucos) que escolhem -ãos e -ães são memorizados pelos falantes (mão, mãos; irmão, irmãos; pão, pães), isso quando não terminam também aderindo ao genérico -ões: é o caso de corrimão, cujo plural original é corrimãos (já que vem de mão), mas que aparece também, em todos os dicionários, com a possibilidade de um corrimões.
Nesses casos, o que nos ajuda mesmo, meu caro Pedro, é olhar por cima do muro e ver o que nosso vizinho de sempre, o Espanhol, anda fazendo, pois lá existem três singulares para três plurais: hermANO, hermANOS; leON, leONES; alemÁN, alemANES! A boa notícia é que podemos aproveitar esse quadro dos nossos vizinhos para entender melhor o que se passa em nossa própria casa. Há estudos sérios sobre o assunto, mas vou simplificar: onde os espanhóis usam -ano, -anos, nós usamos -ão, -ãos” (hermano, hermanos: irmão, irmãos); onde usam -on, -ones, usamos –ão, -ões (leon, leones: leão, leões); e onde usam -án, -anes, usamos -ão, ães” (alemán, alemanes: alemão, alemães). Pode haver um ou outro vocábulo desviante, mas em geral o sistema funciona direitinho.
Vamos ao plural de afegão: a maioria dos falantes do Português prefere afegãos; uma pequena minoria opta pela variante afegães, que não pode ser condenada, mas que vai certamente sumir no passado. Se visitarmos o Espanhol, encontramos afgano, afganos, uma agradável confirmação de que a intuição majoritária de nossos falantes coincide com a estrutura que descrevemos no parágrafo acima. Quanto aos talibãs, escrevi sobre isso um artigo específico. Um abraço pacífico. Prof. Moreno