aidético

Caro Cláudio Moreno: entre nós que trabalhamos com doenças infecciosas — eu sou médico infectologista — a palavra aidético tem uma conotação pejorativa. É como se nós nos referíssemos a um paciente com câncer como canceroso. Para mim, ainda mais, não havia sequer razão para a sua existência, já que a raiz aids não daria aidético, no máximo um aidesético. Para minha surpresa o Aurélio pôs no dicionário o termo sem nenhum alerta sobre seu uso perigoso. E eis que o Houaiss vem e faz o mesmo. Esses nossos dicionaristas não estariam aceitando termos acriticamente? O que o senhor acha disso? Estão autorizando a nós, médicos, usarmos o termo de forma vernacular em nossos artigos científicos? Abraços.

Helio B.

Meu caro Hélio: a língua corrente usa as palavras independentemente das considerações éticas que um médico possa levantar. Essa distância entre o uso especializado e o uso comum é observável em qualquer área do conhecimento; enquanto o vocabulário jurídico distingue entre roubar e furtar, a diferença inexiste para o cidadão que teve seu carro levado por ladrões. Para este mesmo cidadão, o vocábulo aidético designa simplesmente os indivíduos contaminados pelo vírus da Aids; ele não percebe aí a carga pejorativa que um médico vê e procura evitar. É como louco ou maluco, vocábulos que um falante comum utiliza, sem malícia, para designar quem sofre das faculdades mentais, mas que deixam toda a comunidade de psiquiatras e psicólogos com os cabelos (e as barbas) em pé.

Aidético é o adjetivo que nasceu de Aids, e ninguém mais poderá matá-lo, mesmo que fosse malformado — no que, aliás, também tenho as minhas dúvidas. Por que deveria ser *aidesético? Não temos nenhum vocábulo com essa terminação “-esético”; além disso, vejo que lues deu luético e herpes deu herpético, com a desconsideração da sibilante final, como ocorre com aidético

Agora, o fato de todos os bons dicionários registrarem o termo não significa sinal verde para usá-lo em trabalhos científicos; lembra-te, por exemplo, de que todos os palavrões estão dicionarizados, mas isso não nos autoriza a empregá-los num artigo ou numa tese. Dicionário apenas registra e informa; a nós cabe decidir o que é correto ou adequado para as situações concretas, de acordo com nossa formação e nossa sensibilidade. Como muito bem observaste, médicos que se referem a seus pacientes como “cancerosos” ou “sifilíticos” parecem não ter a humanidade e a compreensão indispensáveis para um profissional dessa área. Abraço. Prof. Moreno