1 — Caro prof.Moreno: tenho de contestar sua opinião no que refere-se a antrax ou antraz, dando preferência à última forma. A transliteração do grego, para as línguas latinas, do vocábulo anthrax torna-a antrax, e não antraz, não obstante o abono de obras antigas. Anthrax termina com a letra grega “shi” e não com o “sigma” tradicional, que a faria antraz, cujo Z terminal é pura manobra para evitar um S, que exigiria acentuação, e uma apresentação “ortograficamente incorreta”, pela semelhança com atrás. Gostaria de ter sua opinião sobre esse assunto. Agradecido. Fernando S. (Curitiba)
2 — Prezado Prof. Moreno, não ficando satisfeito com a sua explicação sobre a grafia da palavra antrax ou antraz, pergunto se todas as palavras de origem grega, como anthrax, terminada em X tem como correspondente em Português a terminação em Z. Caso contrário, fica difícil entender a grafia antraz que o senhor recomendou. Obrigado.
Getúlio P. (Recife)
Meus caros amigos: as palavras não são convertidas do Grego para o Português por um simples conjunto de regras, aplicáveis como, por exemplo, os conversores do Word (o processador de texto que utilizo). Entendo perfeitamente a dúvida e a inconformidade de vocês: é que lhes falta um elo da cadeia de evolução deste vocábulo. Não estou querendo pôr pensamentos na cabeça alheia, mas acho que vocês devem ter feito o seguinte raciocínio: se em Grego é assim, por que em Português ficou assado? Se klímax deu clímax e ónyx deu ônix, por que diabos anthrax iria dar antraz, e não antrax?
Acontece, prezados consulentes, que a quase totalidade dos vocábulos gregos chegou a nós através do filtro do Latim, nossa língua-mãe, e a maneira como cada vocábulo entrou naquela língua foi decisiva para determinar a maneira como viríamos a herdá-lo, quando o léxico do Português se formou. Não é possível estabelecer regras fechadas para a passagem do Grego para o Latim, e deste para o Português. A quantidade da penúltima sílaba do genitivo ou do acusativo (longa ou breve) pode resultar, em nosso idioma, na terminação -ce para alguns vocábulos (bombyx, -ykos>bombyx, -ycis> bômbice; kályx, -ykos> calyx, -ycis > cálice), ou na terminação –z, para outros (pérdix, -ikos> perdix, -icis> perdiz); todos esses exemplos seguem a ordem Grego>Latim>Português. Outros, ainda, foram importados diretamente do nominativo grego, por via erudita, sem passar pela evolução popular, e entraram no Português com o X final; é o caso conhecido de tórax, que vem diretamente do Grego thórax. Se tivesse seguido o destino de outros substantivos semelhantes, passaria pelo Latim thorax, -acis e produziria toraz ou tórace (o que explica, no fundo, por que o adjetivo é torácico, com C, para a supresa de muitos).
Fui buscar essa erudição toda no lendário (e difícil de encontrar) O Grego Aplicado à Linguagem Científica, de José Inez Louro (Porto, Editora Educação Nacional, 1940). Lá, exatamente no parágrafo que trata da “transladação” (o termo é dele) dos vocábulos gregos terminados em “csi“, vejam só com quem me deparo: o nosso antraz, que o autor explica como proveniente do Grego antrax, -akos, Latim anthrax, –acis, com o alongamento da penúltima sílaba (a última, em Português).
Minha intuição me encoraja a fazer a seguinte generalização, quanto aos vocábulos gregos terminados em “csi“: aqueles que ingressaram normalmente na corrente sangüínea de nossa língua adquiriram as terminações “ce” ou “z“; aqueles, entretanto, que ingressaram pela via erudita, que vai diretamente ao nominativo grego, sem levar em conta a passagem pelo Latim ou as regras que acomodam o perfil fonológico do vocábulo aos moldes subjacentes do Português, conservaram-se praticamente como eram em Grego — o que explica, também, a sensação de que estamos diante de corpos estranhos à nossa língua: ônix, fênix, tórax, clímax, cóccix, córdax, etc. Antraz, forma popular desde o séc. XV, está no primeiro grupo; se tivesse entrado pela via científica, então teríamos um ântrax, soando igual ao vocábulo no Inglês. Abraço. Prof. Moreno
Depois do Acordo: sangüínea> sanguínea