bem-vindo

Prezado Doutor: quando o senhor escreveu sobre bem-vindo, afirmou que este vocábulo se escreve com hífen desde o Acordo de 1943 — há mais de sessenta anos, portanto. A pergunta que faço é a seguinte: antes de 1943 poderia ser escrito *benvindo, como está no pórtico da cidade de Rio Grande, RS? 

Regys M. — Rio Grande (RS)

Meu caro Regys: não entendi muito bem a tua pergunta, porque a noção de “norma ortográfica” só começou com o Acordo de 1943, imposto por decreto pelo nosso benigno ditador Getúlio Vargas, no seu elogiável esforço de modernizar o país (se queres saber, o Pequeno Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, o famoso PVOLP de 1943, é um grosso volume editado com as armas da República na capa!. Antes disso, cada um escrevia como lhe dava na veneta, usando acentos, agás, ípsilons e dáblios a seu bel-prazer. Por isso, essa polêmica sobre estar “certo ou errado” escrever “benvindo” antes daquela data é procurar cabelo em casca de ovo.

O que deveria ser discutido — aliás, o que deveria ser feito imediatamente — é a correção daquela horrendo *benvindo do nosso pórtico, escrito para durar para sempre, em bronze e granito, como dizia o bom poeta Horácio. Eu pago o preço de ser rio-grandino, porque vivem me perguntando, com um sorriso sarcástico, quando é que a minha cidade vai aprender a escrever… Fico sorrindo amarelo, porque não tenho coragem de explicar para eles que os meus conterrâneos ficaram imobilizados naquela ridícula grafia, em vez de fazer a devida adaptação aos novos tempos e à nova regra ortográfica, e termino dando uma desculpa esfarrapada e mentirosa, alegando que a demora se deve aos trâmites burocráticos exigidos pela Divisão de Patrimônio Histórico da cidade, que é muito rigorosa. 

As frases que aparecem num pórtico não podem ser equiparadas às que aparecem em outros monumentos públicos. Nestes, é natural que permaneça a grafia da época em que foram fundidos pelo escultor. Nada demais que conste, num mausoléu oficial, a placa com “Aqui jaz o barão de Triumpho, grande vulto do Brazil”. Nos pórticos, contudo, a frase é linguagem viva, em que a cidade dialoga com todo aquele que chega, dando-lhe (pelo menos é o que se espera…) as boas vindas. 

Essa frase, portanto, não é lida como uma mensagem que nos veio do passado, mas sim da cidade de hoje, escrita em linguagem de hoje, dirigida apenas ao leitor de hoje. Por isso, só poderíamos aceitar, por exemplo, “Bem-Vindo a Triunfo — Brasil” (e não “Benvindo a Triumpho – Brazil”), ou “Você está chegando a Tramandaí” (e não “Trammandahy”, como era usual escrever antes de 1943). Espero ter deixado bem clara a minha posição. Não entendo por que a cidade ainda não fez essa simples e necessária alteração, que deixaria todo o mundo contente e faria descansar em paz a alma das minhas heróicas professoras do colégio Juvenal Miller, que tanto lutaram para me tirar das trevas da ignorância. Abraço. Prof. Moreno

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