bisesdrúxulas

Prezado professor: no ano passado, minha professora, ao explicar a posição da sílaba  tônica de uma palavra, disse que ocorre uma bisesdrúxula quando a tonicidade se localiza antes da antepenúltima sílaba. Eu gravei o nome e  fiquei interessado; porém, nunca encontrei nada a respeito. Diga-me: isso realmente existe?

Fernando  –  Maringá (PR)

Prezado Fernando: em primeiro lugar, uma pequena nota histórica, para que os leitores mais jovens entendam de onde veio esse estranho vocábulo. Antes de 1958, usava-se dividir os vocábulos, quanto à posição da tônica,  em agudos, graves e esdrúxulos, denominações que foram substituídas, respectivamente, pelos insossos oxítonos, paroxítonos e proparoxítonos de hoje. Se a Nomenclatura Gramatical Brasileira teve esse mau gosto, nossos vizinhos castelhanos resistiram, continuando a usar os mesmos nomes que abandonamos.

A posição da sílaba tônica de nossas palavras está submetida a uma restrição conhecida, em Lingüística, por “Janela de Três Sílabas” — o que significa, em  termos práticos, que a tônica deverá ser, obrigatoriamente, uma das três últimas sílabas. Ora, a idéia de uma bisesdrúxula (de bis + esdrúxula) implicaria a existência de uma tônica em sílaba anterior à antepenúltima. Isso não seria possível em um único vocábulo, mas ocorreria em certas seqüências fonéticas, como, por exemplo, [verbo + pronome clítico]. Esses, aliás, são os exemplos que encontramos no Aurélio XXI: tomávamolo, erguia-se-lhe.

O fato vai, no entanto, um pouco além dessas combinações de verbo e pronome. Como já expliquei em pronúncia dos encontros consonantais, os encontros consonantais imperfeitos são desmanchados pela inserção de uma vogal epentética (sempre o /i/), o que resulta, naturalmente, no surgimento de uma sílaba extra. Por causa disso,  África e afta (/afita/)  têm exatamente o mesmo número de sílabas; ritmo (/ritimo/) é uma proparoxítona das boas; pneu (/pineu/) tem duas sílabas; e assim por diante. Não quero insultar a inteligência de meus leitores alertando que tudo isso que explico nada tem a ver com a separação das sílabas na escrita, onde af-ta e rit-mo são dissílabos e pneu é monossílabo (!).

Ora, essa sílaba extra que existe nos encontros imperfeitos é o que vai permitir o aparecimento de verdadeiras bisesdrúxulas: rítmico, técnico, elíptico, helicóptero, apocalíptico e mais algumas, que são geralmente pronunciadas /rí-ti-mi-co/, /he-li-có-pi-te-ro/ — com três sílabas, portanto, depois da sílaba tônica. As gramáticas escolares não falam sobre isso, nem devem; os autores competentes são os que selecionam aquilo que o usuário comum precisa conhecer para entender o seu idioma – e o conceito de bisesdrúxula só passa a ser relevante para quem estuda o Português na Faculdade de Letras. Abraço. Prof. Moreno

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