Apesar de toda a sua genialidade, o velho e bom Machado de Assis não previu, entre as várias espécies de loucura que Simão Bacamarte catalogou, a sanha que leva alguns indivíduos a propor reformas na sua língua materna — exatamente aquela que, como diria Cervantes, ele bebeu junto com o leite da mãe. Alguns, talvez entrevendo o tamanho sacrilégio que vão cometer, limitam-se a propor sistemas ortográficos próprios, delirantes, feitos em casa, que ganham os seus quinze minutos de fama na imprensa e terminam melancolicamente na barraca de aberrações do circo gramatical (não é por acaso que a totalidade dessas propostas absurdas — todas elas autoproclamadas “salvadoras” ou “simplificadoras” — venha da pena de autodidatas, que não tiveram em suas vidas um mestre que os ensinasse a evitar tanto desperdício de inteligência e criatividade).
Pois o último grito nesta nau dos insensatos é uma proposta que vai ainda mais fundo que a simples troca de letras: como o leitor pode ver no título desta coluna, trata-se da recomendação de “corrigir” também o sistema morfológico do Português, a fim de “limitar ou eliminar a hegemonia masculina” e “tornar o Português mais próximo do igualitário”, como apregoa, de boca cheia, um de seus arautos. Ora, como se aprende nos primeiros meses de qualquer curso de Letras que mereça esse nome, a tal “hegemonia masculina” não existe; usamos o gênero masculino para designar grupos mistos (o brasileiro é feliz — eles e elas) porque, como demonstrei na coluna anterior, ele é inclusivo, ao contrário do feminino, que exclui (a brasileira é feliz — apenas elas).
Infelizmente, explicar isso a esses malucos é tão inútil quanto pregar aos peixes, pois eles são surdos aos ditames da Ciência. Friso que um adepto dessa seita, horrorizado, jamais escreveria assim, mas optaria entre a arroba ou o “x” para substituir a terminação “o” ou “a” — “el@s são surd@s” ou “elxs são surdxs” — e o pior é que sairia com passo firme, orgulhoso, acreditando ter posto mais uma pedrinha na ereção (epa!) da pirâmide da igualdade dos gêneros. Para quem não se deu conta, esta proposta estapafúrdia (felizmente limitada a alguns ambientes universitários inexpressivos) é uma tentativa de melhorar aquela moda esquisita de sempre mencionar, lado a lado, os dois gêneros, que andou em voga há poucos anos, lembram? O que é uma cortesia perfeitamente aceitável em “senhoras e senhores” fica insuportável em “Quando os professores e as professoras entrarem no recinto, o coro dos alunos e das alunas vai saudá-los (las) com uma polca caprichada”. Melhor seria escrever “quando xs professorxs entrarem no recinto, o coro dxs alunxs vai saudá-lxs com uma polca caprichada”? Convenhamos que a nova alternativa é uma emenda muitíssimo pior que o soneto, e que nada se compara a “quando os professores entrarem no recinto, o coro dos alunos vai saudá-los com uma polca caprichada”.
Gostaria de encerrar com duas mensagens, já que o Ano Novo está logo ali: aos leitores, peço que não se preocupem com essa loucurada toda, que vai fazer ainda algum barulho mas logo se extinguirá como um foguete de estrelinhas; aos adeptos desta reforma radical, peço que não abandonem a luta pela igualdade de direitos para o homem e a mulher, que é nobre, mas que tomem juízo e procurem maneiras mais sensatas e eficientes de fazê-lo. Ah, e que aproveitem o feriado para ler (ou reler) A Reforma da Natureza, do Monteiro Lobato, onde vão certamente aprender algumas coisinhas.