É consenso, entre os antropólogos e historiadores, que a nossa civilização não poderia ser assim como é se os nossos antepassados não tivessem, no final do período Neolítico, começado a domesticar os eqüinos e a aproveitar a sua força e a sua velocidade. Com a rapidez do cavalo, o homem ampliou radicalmente as distâncias que podia percorrer, permitindo o surgimento de sociedades que se estendiam por imensos territórios. Com a força e a resistência dos asnos e das mulas, ele praticamente decuplicou a quantidade de trabalho que podia desempenhar, afetando, desta forma, toda a estrutura de sua economia.
Assírios, egípcios, gregos, romanos e mongóis, todos eles tiveram, como eles próprios faziam questão de admitir, um imenso débito para com estes animais que convivem conosco há muitos milênios. Para medir a influência que os eqüinos tiveram no nosso destino, alguns especialistas sugerem que façamos um curioso exercício de imaginação histórica: o que teria acontecido à humanidade se fossem as civilizações da América pré-colombiana — principalmente os astecas e os incas — que tivessem domesticado o cavalo, e não os povos da Ásia e da Europa? Pode parecer um exagero, mas provavelmente um Cristóvão Colombo indígena teria atravessado o Atlântico para descobrir a Europa, onde encontraria tribos atrasadas vivendo ainda na Idade da Pedra Polida.
cavalo — No Latim clássico, o termo usado para os cavalos de corrida e de combate era equus, cujo radical até hoje pode ser visto em eqüestre ou equitação; foi de seu feminino, equa, que se derivou o nosso égua. O Latim popular, no entanto, tinha outro vocábulo, caballus, usado para designar o animal de serviço, de baixa qualidade, geralmente castrado. Foi esta a forma que entrou nas línguas românicas: cavallo (It.), cheval (Fr.), caballo (Esp.). O nome científico, equus caballus, espelha muito bem essa origem dúplice. Se burro e asno, em sentido figurado, significam um indivíduo de pouca inteligência, cavalo (especialmente no seu derivado cavalgadura) designa a pessoa rude e grosseira. Entre ele e os demais eqüinos há uma clara hierarquia, como se vê na expressão popular “passar de cavalo a burro”, que significa piorar de situação.
asno — Vem do Latim asinus, “asno”, o nome original para o animal que também chamamos de jumento (cujo nome científico, não por acaso, é equus asinus). Entrou no Francês como âne, no Espanhol como asno, no Italiano como asino e no Inglês como ass (onde cria inúmeras confusões, com um vocábulo homógrafo, ass, traduzível elegantemente por “traseiro”). Como seus colegas quadrúpedes, é um vocábulo muito usado para insultar a inteligência do nosso semelhante, como se pode avaliar pelo comuníssimo asneira. A forma latina aparece na conhecida frase asinus asinum fricat (literalmente, “o asno esfrega o asno”), usada para criticar pessoas que trocam entre si elogios exagerados ou injustificados sobre qualidades que não possuem.
jumento — No Latim, jumentum era o nome genérico para qualquer animal de carga ou de tração; o vocábulo teve destinos diferentes, ao entrar nas línguas românicas. No Francês, jument designa, até hoje, a fêmea do cavalo, a que chamamos de égua (nosso tradicional provérbio “coice de égua não mata cavalo” fica Jamais coup de pied de jument ne fit mal à cheval — apesar do tom chique, continua nada elegante). No Português, designa o simpático animal que chamamos popularmente de jegue ou jerico. O termo também é muito usado, em sentido figurado, para insultar a inteligência de alguém — o que decididamente é uma injustiça para com este animal, mais esperto que o próprio cavalo. Sua má-fama, à qual se alia também a pecha de ser teimoso, deriva exatamente por seu grande senso do perigo, o que faz com que não aceite cegamente os comandos de seu condutor, recuando ou empacando diante de situações em que o cavalo obedeceria. Como diz ironicamente um especialista, é preciso ser mais inteligente que os jumentos para saber como lidar com eles…
burro — Sua origem até hoje não foi esclarecida, mas a hipótese mais provável é que venha do Latim burrus (“ruço, pardo avermelhado”), como parte da expressão asinus burrus (“asno ruço”). Neste caso, os falantes privilegiaram o adjetivo e desconsideraram o substantivo, fato análogo ao que aconteceu com o pêssego, conhecido como malum persicum (“fruto da Pérsia”, porque os romanos pensavam que ele tivesse sido trazido de lá pelos soldados de Alexandre Magno). É interessante notar que o feminino burra também designava, em Portugal, uma arca de madeira, reforçada com couro e metal, usada para guardar dinheiro. Sem saber isso, não conseguiríamos entender a passagem de O Cortiço, de Aluísio Azevedo, quando escreve “E o dinheiro a pingar, vintém por vintém, dentro da gaveta, e a escorrer da gaveta para a burra, aos cinqüenta e aos cem mil-réis, e da burra para o banco, aos contos e aos contos”.
potro — (Também aparece como poldro). Provavelmente veio do Latim pulliter ou pullitru, “cavalo jovem”, derivado de pullus, termo genérico para “filhote de animal” e que passou a ser usado apenas com relação a aves — de onde vem poule (Fr.), pollo (Esp.), polo (It.) e o nosso antiquado pôlo, que cedeu lugar ao atual frango, não antes de nos deixar o derivado poleiro. O vocábulo também designava um temido instrumento de tortura da Inquisição; o dicionário de Morais (1813) ainda registra, como um de seus sentidos, “cavalete de atormentar”. Construído em várias versões, o potro consistia basicamente numa estrutura de madeira em que deitavam o condenado e amarravam seus braços e pernas em torniquetes, apertando-os até os ossos se desconjuntarem. É a ele que se refere Saramago, no Memorial do Convento, quando escreve: “e só de pensar nisso sofre como se o estivessem a apertar no potro“.
mula — Veio do Latim mulus, feminino mula. No Português, o termo designa indiferentemente o híbrido de um jumento com uma égua (o mais comum) ou o de um cavalo com uma jumenta. Outras línguas românicas, no entanto, têm vocábulos diferentes: mulet e bardot (Fr.), mulo e bardotto (It.), mulo e burdégano (Esp.). Como insulto, é usado principalmente para criticar pessoas teimosas. Produziu vários derivados, entre eles a muleta e a mulita (espécie de tatu que tem as orelhas voltadas para trás, como uma mula). Mulato, antigo diminutivo de mula usado no séc. XVI, era usado como sinônimo genérico de mestiço, até que definitivamente passou a designar o filho de pai negro e mãe branca, ou vice-versa.
zebra — De todos os eqüinos, este é o único cujo nome não proveio do Latim. Os romanos conheciam a zebra e a incluíam entre os animais que figuravam nos espetáculos circenses, ao lado do leão, do rinoceronte e do tigre, mas chamavam-na de hippotigris (literalmente, “cavalo tigre”). Em Portugal, usava-se zevro, zevra, desde o séc. XIII, para designar uma espécie de burro selvagem que existiu na Península Ibérica; por isso, quando se lançaram na exploração da costa africana, era natural que os navegadores portugueses que viram as primeiras zebras, no sul da África, aplicassem a elas o termo já conhecido. Zebra é um autêntico portuguesismo, isto é, uma das raras contribuições de nosso idioma às outras línguas: zebra (Ing.), cebra (Esp.), zèbre (Fr.), zebra (It.).
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