Prezado professor, pediram-me que escrevesse um cartaz em que aparecia a frase:”20% da renda serão destinados a instituições de caridade“. Alguns colega de trabalho argumentaram que o verbo deveria estar no singular para concordar com renda. Como não chegamos a um consenso, resolvi mudar o cartaz para “Serão destinados 20% da renda a instituições….”. Um dia depois, alguém riscou o cartaz, trocando para “será destinado“, e anexou uma “regra” da gramática do Napoleão Mendes de Almeida explicando o assunto. Mesmo assim, entendo que o verbo no plural não esteja errado. O que o senhor acha?
Paulo — Porto Alegre
Meu caro Paulo: tu estavas com a razão desde o início. Na concordância com percentuais, tudo o que for igual ou maior que dois deve ser considerado PLURAL: “2,5% da quota valem muito”, “30% da assembléia votaram …”. É claro que aqui o elemento periférico do sintagma, que se liga ao núcleo por meio de uma preposição (quota, assembléia), exerce uma forte atração semântica, o que leva muita gente a fazer a concordância com o periférico, e não com o núcleo: “2,5% da quota vale muito”, “30% da assembléia votou“. Todos os gramáticos também aceitam essa hipótese.
Tu já deves ter observado o mesmo fenômeno com as expressões partitivas do tipo “a metade dos alunos”, “grande parte dos eleitores”. A concordância normal é com o núcleo: “a METADE dos alunos FALTOU”, “grande PARTE dos eleitores se ABSTEVE”; contudo, é perfeitamente aceitável (e compreensível) “a metade dos alunos faltaram“, “grande parte dos eleitores se abstiveram“. Nota o que estou dizendo: é também aceitável; eu não disse preferível. Eu, particularmente, só faço a concordância com o núcleo, por várias razões que não cabe aqui discutir:
20% da renda SERÃO DESTINADOS a instituições de caridade.
20% da renda SERÁ DESTINADA a instituições de caridade.
As duas hipóteses estão corretas; contudo, a primeira é a determinada pela estrutura de nossa língua — e a que existe por “licença” de uso é a segunda. Se teus colegas preferem a segunda, tudo bem; tu, no entanto, podes ficar com a que escolheste.
Quanto ao Napoleão (autor que eu cito em vários pontos deste saite, sempre com adjetivos como “folclórico”, “peculiar”, etc.), não concordo com as regras dele sobre este caso de concordância. Entre os especialistas, ele é visto como um autodidata muito experiente, agudo observador do idioma, valente defensor da boa linguagem, mas cheio de idéias próprias (e, não raro, completamente fantasiosas). Ele às vezes dá no prego, mas muitas vezes dá na tábua. Eu já encontrei ótimas observações, tanto em sua Gramática Metódica quanto em seu Dicionário de Questões Vernáculas — mas tive também várias confirmações de que o leitor leigo não consegue distinguir o que é confiável do que é mero palpite.
Achei divertidíssima a mudança que fizeste no teu cartaz: de “20% da renda serão destinados” passaste para “Serão destinados 20% da renda”! Trocaste seis por meia dúzia! A inversão da ordem sujeito—verbo para verbo—sujeito não tem efeito algum sobre a concordância — embora eu reconheça que essa inversão deve ter acalmado alguns de teus opositores, porque deixou o verbo mais próximo do sujeito. Abraço. Prof. Moreno
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