Concordância com verbos impessoais – HAVER, FAZER, etc.

Qualquer brasileiro sabe que a regra de ouro de nossa sintaxe é a de que todo verbo concorda com o sujeito da frase. O que devemos fazer, contudo, com aqueles verbos que não são atribuídos a sujeito algum, os chamados verbos impessoais? O uso culto prefere deixá-los imobilizados na 3a. pessoa do singular. Felizmente esses verbos formam um grupo extremamente reduzido:


1. HAVER – Este verbo, quando usado nos sentidos de “existir” ou “ocorrer”, fica sempre  na 3ª do singular (o elemento em destaque é analisado como objeto direto):

 

CORRETO:

EVITE:
  • Havia dez interessados.
  • Haviam dez interessados.
  • Aqui houve alterações.
  • Aqui houveram alterações.
  • Haverá sessões contínuas.
  • Haverão sessões contínuas.

 

Você já deve ter-se acostumado a ouvir *”haviam pessoas”, *”haverão dúvidas” — construções provavelmente inspiradas, por analogia, em “existiam pessoas” e “existirão dúvidas”, mas com certeza ficaria surpreso se soubesse o quanto se discute, entre os estudiosos, a conveniência de considerar, de uma vez por todas, o verbo haver como um verbo comum com sujeito posposto. Há bons argumentos contra e bons argumentos  a favor desse “reenquadramento” de haver, e tanto um quanto o outro lado têm a defendê-los jovens e velhos gramáticos. Aqui se trata, porém, de definir um item do uso culto escrito; portanto, se você quer se sentir seguro, não invente moda e opte por deixar o verbo sempre no singular. Em outras palavras: se você não quer chamar a atenção de todos durante a cerimônia, use gravata (e, de preferência, com um nó clássico).


2. FAZER (e HAVER, também), indicando TEMPO DECORRIDO

CORRETO:                                           EVITE:

  • Faz três meses.                                  * Fazem três meses.
  • Amanhã fará dois anos.                     * Amanhã farão dois anos.
  • Fazia duas horas que esperava.         * Faziam duas horas que esperava.
  • Havia dois dias que não comia.         * Haviam dois dias que não comia.


3. FAZER, indicando CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS:

CORRETO:                            EVITE:

  • Fez dias belíssimos.           * Fizeram dias belíssimos.
  • Ali fazia 40° à sombra.       * Ali faziam 40° à sombra.


4. PASSAR DE, em expressões de tempo:

CORRETO:                              EVITE:

  • Passava das duas horas.      * Passavam das duas horas.
  • Passa das três da tarde.       * Passam das três da tarde.


Não confunda esta estrutura, que é considerada  SEM SUJEITO (note que “duas horas”, “três horas”, etc., vêm precedidos da preposição DE), com o verbo PASSAR que aparece nos exemplos abaixo, em que “três horas” e “três minutos” funcionam como SUJEITO:

  • Passam três horas do meio-dia.
  • Passavam três minutos das duas.


5. BASTAR DE e CHEGAR DE:

  • Basta de reclamações      (e não *bastam de)
  • Chega de pedidos             (e não *chegam de)


6. TRATAR-SE DE, com referência a uma afirmação anterior.


  • CORRETO:     Lá vêm elas. Não esqueça: trata-se das filhas do prefeito.
  • EVITE:            Lá vêm elas. Não esqueça: *tratam-se das filhas do prefeito.

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Para o falante brasileiro, as três frases abaixo são sinônimas

  • (1) Não havia dinheiro no cofre.
  • (2) Não existia dinheiro no cofre.
  • (3) Não tinha dinheiro no cofre.

Se trocarmos dinheiro por documentos, no entanto, está armada a confusão:

  • (1) Não HAVIA documentos no cofre.
  • (2) Não EXISTIAM documentos no cofre.

A frase (3) é mais complicada, pois o uso de ter com valor existencial ainda é classificado como inadequado na língua culta formal escrita. Se quisermos assim mesmo empregá-lo, vamos ter de escolher qual dos dois modelos (o de haver, impessoal, ou o de existir) ele vai seguir. Minha intuição aponta para a primeira hipótese: “Não tinha documentos no cofre”.