Quando procuramos a origem das palavras, podemos contar com o valiosíssimo testemunho dos textos escritos, mas, mesmo assim, é praticamente impossível descobrir a gênese de certos vocábulos ou expressões que surgem de repente e acabam fazendo parte de nosso léxico.
Uma aluna de pós-graduação escreve para perguntar se posso ajudá-la a determinar, com alguma segurança, quando foi formada e de onde veio a palavra periguete (ou piriguete, sua variante menos culta — se é que isso é possível). A edição mais recente do Aurélio Escolar, lançado na última Bienal do Livro, já inclui o termo, definido ali como “moça ou mulher que, não tendo namorado, demonstra interesse por qualquer um”, mas nada esclarece sobre sua origem. A leitora, que está fazendo uma pesquisa séria sobre vocábulos utilizados na mídia feminina, saiu desapontada da pesquisa que fez na internet, pois as hipóteses que pôde pescar na rede pareceram-lhe mais falsas do que aquele dinheiro de plástico que circulou por aí.
Ora, prezada leitora, a palavra parece ser uma criação espontânea, popular, feita a partir do radical de perigo, acrescido do sufixo –ete (como em chacrete ou maluquete) — e isso é tudo, e para mim já bastaria. No entanto, como já observamos várias vezes nesta coluna, a etimologia é, para algumas mentes fracas, droga mais alucinógena que a ayahuasca ou o suco da jurema; algumas explicações apresentadas para periguete, por exemplo, chegam às raias do delírio. Uma delas afirma categoricamente que a palavra nasceu de um equívoco linguístico: na Bahia, visitantes estrangeiros que se dedicavam ao seu inocente turismozinho sexual de costume, “tentando imitar os brasileiros, chamavam as mulheres de gatinhas” — Epa! Frase ambígua! É melhor explicar: tanto os romeus quanto as julietas estavam em pé, e não de quatro; “gatinhas”, aqui, seria o apelativo “carinhoso” usado para enternecer as meninas. Mas segue o samba do etimólogo doido: “Eles se confundiam e, em vez de falar little cat, falavam pretty cat (ou pretty girl, alegam alguns dissidentes); os locais, ao tentar imitar os turistas (por quê, mesmo?), acabavam embolando as duas palavras e pronunciavam /piriquéte/ — e daí piriguete“. Como a Bahia atrai brasileiros de todos os estados, e a Ivete Sangalo canta uma música que ostenta este vocábulo na letra, nada mais natural, então, que ele tenha se espraiado pelo país afora…
Pois que vou dizer vale não só para periguete: é praticamente impossível descobrir a gênese dessas palavras ou expressões que surgem de repente e acabam fazendo parte de nosso léxico. Vamos encontrar muita opinião boba por aí, dando informações precisas do local, data e autor dessas invenções, mas não passam de palpites bem intencionados. O OED (Oxford English Dictionary) que o diga: este, que é o melhor dicionário do mundo, orgulha-se de incluir o primeiro registro escrito conhecido para cada palavra que examina; pois o OED passou uns dez anos sem conseguir descobrir qual tinha sido a primeira vez que a sigla HIV foi empregada no Inglês — hesitavam entre quatro ou cinco jornais de San Francisco — e isso que não se tratava de uma expressão da gíria, mas de uma sigla de origem médica, presente em centenas de artigos da imprensa laica e das publicações científicas.
Só podemos ter certeza sobre a concepção e o nascimento uma palavra quando existirem depoimentos expressos feito pelo próprio criador ou por seus interlocutores. Cícero, um dos intelectuais romanos que mais contribuiu para o crescimento do vocabulário latino (e, por tabela, do léxico de todo o Ocidente), discute explicitamente a necessidade de criar, entre outras, qualitas, individuum, vacuum, definitio, differentia e notio (“qualidade”, “indivíduo”, “vácuo”, “definição”, “diferença” e “noção). Já o termo cientista nasceu em 1834, na Inglaterra. Uma tal Associação Britânica de amigos da ciência discutia, em reunião, qual a melhor maneira de denominar os seus membros; o grupo recusou filósofo, por ser amplo demais, e sábio, por ser pretensioso. Foi quando (está registrado na ata!) “um engenhoso cavalheiro presente propôs que, por analogia com artista, formassem a palavra cientista“. Pronto! Eis uma palavra com registro em cartório — o que é raríssimo.
Outras têm a sorte de aparecer pela primeira vez numa determinada obra literária ou cinematográfica. Em 1920, Karel Capek, escritor tcheco, escreveu a peça R.U.R, na qual foi empregado pela primeira vez o termo robô (criado a partir do Tcheco robota, “trabalho forçado”). Apontado como criador do vocábulo em muitos dicionários e enciclopédias, Kapek um dia veio a público e declarou, por escrito, que ele era apenas o seu divulgador, já que o verdadeiro inventor tinha sido seu irmão Josef. Da mesma forma, Fellini, no filme La Dolce Vita, ao imortalizar a figura do fotógrafo Paparazzo, acabou contribuindo com uma palavra que ingressou no léxico da maior parte das línguas ocidentais: paparazzo (plural paparazzi). Infelizmente, exemplos como esses são excepcionais, e duvido que possa existir algo semelhante para nos esclarecer sobre o surgimento das periguetes.
[publicado no jornal ZH em 03/12/2011]
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