doa a quem doer

Caro Professor, uma dúvida: por que o “doa a quem doer”, como diz o irado Bóris Casoy, não é “doa em quem doer”? Afinal, o que dói, dói em alguém, e não a alguém, não é? Obrigado.

Tagore

Meu caro Tagore: eu sempre usei e vi “doa a quem doer”. No entanto, como levantaste a dúvida, fui pesquisar no Google (ele pode não ser científico, mas fornece dados que não são de desprezar) e obtive o seguinte (e surpreendente) resultado: 5710 ocorrências de “doa a quem doer” contra apenas míseras 98 (noventa e oito!) ocorrências de “doa em quem doer”. Acho que não há dúvida sobre qual delas deverás usar; no entanto, isso não pode ser apenas uma questão de estatística. Quem trabalha no ramo, sabe: se a diferença de opções (5700 x 100) é tão grande assim, aí deve estar atuando algum princípio do idioma, acima das opiniões individuais. Basta procurar, e vamos achar a explicação.

No teu caso, a resposta é muito simples: esta é uma expressão muito antiga, e o verbo doer, como deves saber, sempre admitiu a preposição A. Deves conhecer construções como “doeu-me ter de fazer isso”, “dói-lhe a visão da pobreza”, etc. — e aí, como podes ver, o que dói, dói A alguém. Só muito modernamente começamos a usar (em pouquíssimos casos, aliás) a preposição EM — até porque, na maioria dos casos, usamos doer como intransitivo: “meu braço está doendo”, “quando a luz aumenta, o olho dói”. É um bom exemplo para nos lembrar, Tagore, que nunca — mas nunca, mesmo — vamos descobrir “erros” dentro do que a tradição lingüística, inclusive os bons escritores, vem usando há vários séculos. Podemos adotar formas mais modernas, mas não tentar “corrigir” o que nunca esteve errado. Abraço. Prof. Moreno

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