A foto, tirada num desfile beneficente, mostrava uma tradicional apresentadora de TV usando apenas roupas íntimas; comentando seu corpo bem cuidado, a legenda dizia: “A poderosa balzaqueana deixou muita jovenzinha morrendo de inveja”. Ou seria balzaquiana?
O sufixo -ano, com sua variante –iano, tinha um significado básico de “proveniência, origem”: doces serranos, autores italianos, monges tibetanos. Com o tempo, passou a indicar também a proveniência de uma idéia, a partir do nome de um autor ou de um movimento intelectual: sonetos camonianos, ideal republicano, igreja anglicana. Sua definição semântica, como vemos, é muito simples; o problema é sua representação gráfica. É aí que as pessoas encontram problemas — e com toda a razão. Basta examinarmos uma lista de palavras com este sufixo para perceber o quanto o quadro parece confuso: ao lado de formas simples em –ano (tebano, curitibano), encontramos vocábulos em –eano ( coreano, montevideano) e em –iano (machadiano, açoriano). Um ator especializado em peças de Shakespeare é shakespeareano ou shakespeariano? Aquela apresentadora de TV é uma charmosa balzaqueana ou balzaquiana ? Quem nasce no Acre é acreano ou acriano? Em benefício da grande maioria de nossos leitores, que não são especializados em Lingüística, vou passar ao largo das questões teóricas de Morfologia e de Fonologia envolvidas nessas derivações, e tratar de estabelecer uma distinção prática para o emprego das duas formas.
Quando o certo é –EANO — Comparando-se a desproporcional ocorrência das duas formas, fica muito mais fácil para nosso leitor tomar –iano como a forma normal e –eano como a forma excepcional. Colocando de maneira simples: use sempre –iano, a não ser nos poucos casos em que vai ter de usar –eano. E que casos são esses? Somente aqueles em que o radical do vocábulo primitivo tiver um E final (não a vogal temática): Taubaté+ano = taubateano, Galileu+ano = galileano. Uma pesquisa nos dicionários nos forneceu, além desses dois exemplos, uma lista assaz reduzida: bruneano (Brunei), coreano (Coréia), corneano (córnea), daomeano (Daomé), gouveano (Gouveia), guaxupeano (Guaxupé), guineano (Guiné), lineano (Lineu), mallarmeano (Mallarmé), montevideano (Montevidéu), nazareano (Nazaré), pompeano (Pompéia), tieteano (Tietê), traqueano (traquéia), varzeano (várzea) e vaqueano (empréstimo do Espanhol).
Quando o certo é –IANO — Todos os demais vão apresentar a forma –iano, que se acrescenta diretamente ao radical ou depois da queda da vogal temática: bachiano (Bach), balzaquiano (Balzac), bilaquiano (Bilac), bocagiano (Bocage), borgiano (Borges), drummondiano (Drummond), freudiano (Freud), machadiano (Machado), mozartiano (Mozart), poundiano (Pound), rosiano (Rosa), sartriano (Sartre), shakespeariano (Shakespeare), veneziano (Veneza), entre muitos outros. Costuma-se ver lógica booleana (de Boole), mas os especialistas (o próprio Aurélio, entre outros) não a consideram correta, preferindo booliana. Ah, em tempo: a personagem da foto era uma charmosa balzaquiana.
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