Caro professor, minha dúvida é a respeito do uso do pronome oblíquo LHE com determinados verbos. Consultei várias gramáticas e todas afirmam que os verbos assistir, visar e aspirar, quando transitivos indiretos, não aceitam o pronome oblíquo LHE, mas sim os complementos a ele, a ela, a eles, a elas. Sinceramente não compreendo o motivo de tal regra, já que com a maioria dos verbos transitivos indiretos se usa normalmente o pronome LHE. Gostaria de esclarecimentos a esse respeito.
Marcelo Esteves M. — São Paulo
Meu caro Marcelo: acontece que acabas de esbarrar em mais um daqueles recifes em que os gramáticos tradicionais costumam naufragar: eles apenas relacionam os fatos (“o pronome LHE não pode ser usado com os verbos assistir, visar e aspirar” — o que é verdade) sem explicar por que é assim. Essa deficiência dos gramáticos que se formaram antes dos anos 60 é a maior responsável pela opinião, infelizmente generalizada, de que o Português é uma língua complicada, “cheia de regrinhas”, “repleta de exceções”. Eles até hoje dominam o mundo editorial (principalmente dos livros didáticos), e o nosso pobre país sofre com isso.
No entanto, a explicação é simplíssima: o LHE (representante do objeto indireto) não é um pronome de uso universal, como é o caso do seu parceiro O (representante do objeto direto). Ele tem uma importantíssima restrição de seleção: só pode ser usado com referência a pessoas (em linguagem mais técnica, diríamos “com substantivos +humanos”) — da mesma forma que o pronome relativo quem. Se o antecedente destes dois pronomes não tiver o traço “humano”, seu emprego fica bloqueado. Ora, esses três verbos que mencionaste (assistir, visar e aspirar) nunca têm objeto indireto de pessoa: eu aspiro ao cargo, aspiro à vaga, aspiro ao posto, mas não posso *aspirar a alguém — o que elimina, aqui, o uso do LHE.
Nesses casos, o objeto indireto é representado pelo pronome oblíquo tônico (acompanhado de sua respectiva preposição): a ele, a ela, etc. Para deixar mais claro o que estou tentando explicar, peço-te que compares as seis frases abaixo:
1. Obedeço ao professor
2. Obedeço a ele
3. Obedeço-LHE
4. Obedeço ao governo.
5. Obedeço a ele.
*6. Obedeço-LHE
Pois a (2) e a (3) são frases sinônimas, e o falante pode decidir livremente se quer substituir o objeto indireto ao professor pelo oblíquo tônico (a ele) ou pelo átono (lhe). A frase (6), contudo, é considerada agramatical, embora pareça idêntica à (3): é que o objeto indireto, aqui, não é uma pessoa, e o falante só pode substituir ao governo por a ele. Como vês, é o sistema do nosso idioma funcionando como um reloginho, e não, como nos fazem crer, muitas vezes, um punhado de “casos especiais”. Abraço. Prof. Moreno