filho morto FOI ou É?


Como vai, professor? Preciso de sua orientação para uma dúvida delicada que  surgiu aqui na emissora na hora de anunciar a morte de Jett Travolta: ele FOI filho do ator John Travolta (porque já morreu), ou ele É filho (porque, mesmo morto, nunca vai deixar de ser filho)? Como não sabíamos, acabamos apelando para aquela velha máxima jornalística que diz: “na dúvida, não há dúvida” e mudamos a estrutura da frase. Colocamos “O pai, John Travolta…”. Mas agora, aqui entre nós, qual seria a forma correta?

Bete – São Paulo

Prezada Bete, falar de um morto é sempre um problema espinhoso, principalmente  se for defunto recente, que ainda conserva vínculos muito fortes com este mundo. No entanto, dos tempos verbais possíveis, o que menos cabe é o presente do indicativo. Morto não “é”; depois de ter ido — com o devido respeito — ver a grama nascer por baixo, ele deixou de ser síndico do edifício, pensionista do INSS, marido, pastor ou ovelha do rebanho de nossa igreja, filho, pai, o que seja.

Em casos como este nosso idioma vacila entre o pretérito perfeito e o imperfeito do indicativo. A Bíblia usa muito “foi” (Fulano FOI pai de Beltrano), mas eu acho que a tendência natural (portanto, a mais fácil de ser aceita por quem a ouve ou a lê) é o imperfeito: Fulano ERA casado com…, ERA pai de …, ERA diretor da Escola de Samba …, ERA filho de … Inclusive, com a instabilidade cada vez maior dos relacionamentos, começa a se formar uma oposição entre FOI e ERA casado, que representa muito bem a diferença entre o tempo da ação pontual e o tempo da ação durativa: se eu leio que Fulano FOI casado com Y, automaticamente penso que, em algum momento de sua vida, ele e Y formaram um casal, mas que a relação já estava desfeita quando se deu o infeliz passamento; se, no entanto, leio que o falecido ERA casado com Y, vou visitar Y e apresentar-lhe as condolências que uma viúva merece.

De qualquer forma, como eu disse, é gelo fino, em que se deve pisar com toda a cautela. Uma saída é desviar do pedregulho, como vocês fizeram, mas, como tu mesma intuíste, isso nem sempre vai ser possível. Quando chegar um desses momentos, faz como eu e usa o imperfeito. Abraço.  Prof. Moreno