Dois leitores trazem suas dúvidas sobre adjetivos gentílicos: quem nasce na cidade de Salvador, na Bahia, não poderia também ser chamado de “salvadorenho”? E quem tem uma esposa natural da Indonésia pode dizer que casou com uma “indonesiana” — ou é mesmo com uma “indonésia”?
Mais de um pai (ou mãe) já me escreveu para conferir questões de Português que seus filhos trouxeram da escola. Desta vez, um paulista de São Carlos ficou em dúvida quanto ao gentílico correspondente à cidade de Salvador: “Numa prova do colégio perguntaram como se chama o brasileiro que nasce na capital da Bahia. Minha filha respondeu salvadorenho, mas a professora marcou errado, dizendo que é soteropolitano. Eu nunca ouvi falar nisso, e acho que a menina está certa, mas não tenho instrução suficiente para discutir com a professora. O senhor concorda comigo?”.
Pois fica sabendo, aflito leitor, que a professora fez bem em recusar o salvadorenho, mas exagerou um pouco ao indicar a resposta apenas como soteropolitano (é esquisitíssimo, eu sei, mas existe). Primeiro, é necessário lembrar que alguns países ou cidades têm dois gentílicos diferentes — o usual, formado pelos processos naturais de nosso idioma, e outro mais erudito, formado artificialmente com radicais do grego ou do latim ou derivados de antigas denominações nacionais. É por isso que temos húngaro e magiar para a Hugria, suíço e helvécio para a Suíça, português e lusitano para Portugal, francês e gaulês para a França, alemão e germânico para a Alemanha, japonês e nipônico para o Japão, buenairense e portenho para Buenos Aires.
Embora raros, há casos semelhantes no Brasil. Por exemplo, para a cidade de São Luís, no Maranhão, temos são-luisense e ludovicense (de Ludovicus, nome do Latim tardio que deu origem ao nosso Luís); para Salvador, na Bahia, temos salvadorense e soteropolitano (do grego soteros, “salvador”, mais polis, “cidade”; “Soterópolis”, portanto, seria Salvador com anel de doutor e diploma na parede). Em alguns casos, até, só temos a forma erudita: para o estado do Rio de Janeiro, usamos fluminense (do latim flumen, “rio”, pois inicialmente se pensava que a Baía da Guanabara fosse um grande rio); para Três Corações, em Minas Gerais, usamos tricordiano (do latim tri, “três”, mais cordis, “coração”).
Como podes ver, a menina errou a resposta — ou melhor, errou de Salvador: salvadorenho é quem nasce na república de El Salvador, não na capital da Bahia. Aliás, a maioria dos vocábulos que usam o sufixo –enho são gentílicos de origem espanhola: caraquenho (Caracas), caribenho (Caribe), cusquenho (Cusco), limenho (Lima), hondurenho (Honduras), panamenho (Panamá), etc. Agora, como a correção de uma prova é um momento privilegiado de aprendizagem, a professora, ao meu ver, deveria ter indicado também a variante salvadorense, a mais usada das duas.
Outra consulta sobre o mesmo tema veio do outro lado do mundo: “Moro no Japão há muitos anos e casei com uma mulher nascida na Indonésia. A nacionalidade dela é indonésia ou indonesiana? Não acho tão estranho chamar um homem de indonésio, mas chamar minha mulher de indonésia soa mal, pois coincide com o nome do país — e o pior é que o termo indonesiana me parece incorreto. Acho que sou o único brasileiro do mundo a ter essas dúvidas…”.
Eu não diria isso, caro leitor. Muitos experimentam um mal-estar muito semelhante ao teu quando, referindo-se a pessoas, têm de usar femininos que coincidem, por exemplo, com o nome de atividades ou profissões: “Não aguento aquela química“, “Casei com uma matemática“, “Ele me apresentou a uma música fascinante”. Às vezes, confesso, o efeito é tão desagradável que nos faz hesitar; não faz muito, recebi um cartão de visita que estampava “Clínica Geral” numa linha e “Mariazinha dos Anzóis” na linha seguinte. Era o nome de uma clínica ou a apresentação de uma profissional?
O gentílico indonésio simplesmente vai se juntar a vários outros cujo feminino se confunde com o nome do país, como é o caso de argentina, armênia ou sérvia. Se não te agrada chamar tua esposa de indonésia (que é uma forma correta), podes muito bem empregar indonesiana, já que o termo é bastante usado fora do Brasil, produto de uma derivação sufixal muito frequente na formação dos adjetivos gentílico de nosso idioma. Lembro-te que o Brasil chama de canadense o que Portugal chama de canadiano; temos tanto argelino quanto argeliano, alasquense ou alasquiano, baiense e baiano, bósnio e bosniano, salvadorenho e salvatoriano.
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