há de haver

Olá, Doutor Cláudio! Acompanho sua coluna semanalmente. Suas respostas são exemplares. Escrevo desta vez para tirar uma dúvida. Outro dia usei a forma “haverão de haver boas músicas”, só para soar original aos ouvidos de um amigo. Este, no entanto, ficou inconformado, dizendo que ela não existe, mas sim “há de haver boas músicas”. Afinal, existe ou não? Raciocinei do seguinte modo: não há dúvida de que posso dizer “Eu hei de conseguir isto”, bem como “As músicas hão de existir”. Pode-se substituir o verbo existir por haver; logo, posso usar “Haverão de haver boas músicas”. Se músicas estivesse no singular, aí sim o primeiro verbo haver estaria no singular. Gostaria de saber se o que falei faz sentido. Obrigado.

Alexandre D. (17 anos) — Brasília

Meu caro Alexandre: falando com a franqueza que me caracteriza, respondo-te que não, não faz sentido o que dizes — embora o teu empenho (e o teu engenho) em defender o teu ponto de vista mereça toda a minha simpatia. Estás esquecendo, no entanto, a relação que os verbos presentes numa locução verbal mantêm entre si: o da direita é sempre o principal, o da esquerda é sempre o auxiliar. Tudo o que vai acontecer com a locução (inclusive a concordância) dependerá dos traços determinantes do verbo principal, o que explica, aliás, essa denominação.

Observa: “PODEM existir boas músicas”, “DEVEM existir boas músicas”, “HÃO de existir boas músicas” — os auxiliares podem, devem e hão estão flexionados no plural, seguindo o modelo imposto pelo principal existir, que é um verbo pessoal, normal, que concorda com o sujeito boas músicas. Já em “PODE haver boas músicas”, “DEVE haver boas músicas”, “HÁ de haver boas músicas”, o verbo principal é haver, que transmite sua impessoalidade característica para os seus auxiliares (todos ficam invariáveis). Nestas estruturas, boas músicas é apenas objeto direto.

Embora nessas frases os verbos haver e existir sejam sinônimos, seu comportamento sintático sempre será diferente: o primeiro é impessoal, o segundo é um verbo normal. Recomendo-te que leias o que escrevi em concordância verbal: verbos impessoais, para que tenhas bastante base nas tuas futuras discussões. Um abraço; espero que mantenhas esse teu vivo interesse pelo Português. Prof. Moreno