Na semana passada, um leitor muito especial desta página (o mocinho tem apenas doze anos, mas já gosta de freqüentar dicionários!) me confessou candidamente que prefere dizer *paralepípedo. “Sei que o certo é paralelepípedo, mas não gosto; é muito feio e comprido demais. Não daria para cortar um pedaço?”. Como sua pergunta soou quase como um pedido pessoal, tive de lhe explicar que eu não tinha o poder de decidir sobre o assunto, mas aconselhei-o a ter paciência, pois a própria língua se encarrega de encurtar essas palavras centopeicas por meio da haplologia. Este é um dos processos usados pelo idioma para evitar que a formação de uma palavra nova dê origem a um encontro malsoante de duas sílabas idênticas ou muito semelhantes; quando isso ocorre, uma das sílabas é simplesmente suprimida. Um exemplo clássico é tragicômico; o produto da soma de trágico e de cômico — que seria um impensável *tragicocômico ! — foi providencialmente reduzido. Assim também ocorreu com idolatria (em vez de *idololatria), gratuidade (em vez de *gratuitidade), analista (em vez de *analisista), Candinho (em vez de *Candidinho). Temos binômio, trinômio, mas monômio, que deveria ser *mononômio, não fosse a haplologia. O mesmo ocorre num expressivo número de adjetivos derivados de substantivos terminados em –dade: de vaidade, sai vaidoso (e não *vaidadoso); de caridade, caridoso (e não *caridadoso); de bondade, bondoso (e não *bondadoso); de piedade, piedoso (e não *piedadoso); e muitos mais. Como se vê, é uma boa notícia para o meu jovem interlocutor, que demonstrou ter um ouvido sensível para com as peculiaridades de nosso idioma: nada impede que o desajeitado paralelepípedo venha um dia a perder uma de suas sílabas repetidas — o que, aliás, já ocorre com freqüência na língua falada.
O mais curioso é que nem sempre o Português evita essas seqüências repetitivas, pois há dezenas de vocábulos formados por reduplicação, um processo que vai na contramão do que acabamos de examinar. Ele intervém corriqueiramente na formação de vocábulos por onomatopéia (aqueles cujo som mais ou menos imita o que está sendo designado): zum–zum, lero–lero, reco–reco, tico–tico, quero–quero, lufa–lufa, lengalenga, cricri, fonfom; tique–taque e pingue–pongue seguem um padrão levemente modificado, usando vogais diferentes (mas sempre com o /i/ em primeiro lugar). Aparece também num grupo especial de substantivos compostos formados pela repetição da mesma forma verbal: mata–mata, quebra–quebra, corre-corre, puxa–puxa, rala–rala, lambe-lambe, pula-pula, empurra–empurra (a maior parte deles designa uma ação reiterada). Como muitas outras línguas também têm esse amor pela reduplicação, vamos encontrá-la em várias palavras estrangeiras que entraram no Português: beribéri, tsé–tsé, chachachá (ritmo caribenho), cancã, dumdum (projétil de fragmentação), pompom, cuscuz, frufru, hula–hula, ioiô.
O mesmo padrão reduplicativo determina que a grande maioria dos apelidos carinhosos recebidos em nossa vida familiar seja formada por duas sílabas iguais. Geralmente cabe a uma criança da casa modificar o nome dos seus parentes ou o seu próprio, reduzindo-o a uma forma mais pronunciável, mais adequada ao seu ainda inexperiente aparelho da fala. Não precisamos ser lingüistas para perceber que esses pequenos entezinhos falantes têm grande preferência por um padrão bem definido — eles simplesmente reduplicam a estrutura silábica mais comum do Português, que é CV (uma consoante seguida de uma vogal): Fafá, Dudu, Zezé, Lili, Juju, Mimi, Lulu, Dadá, etc. O processo também está presente nas primeiras palavras que nossos brasileirinhos pronunciam, e que pais, mães e avós se apressam a adotar no seu diálogo com os pequeninos — seja com relação ao mundo familiar (babá, vovó, titio, iaiá, nonô, bebê, mamãe), seja com relação às funções básicas: comer (mamá, papá), descomer (cocô, pipi, xixi, bumbum) e dormir (naná).
Por último, como sobremesa, lembro que há muitos lugares neste planeta com o nome reduplicado; muitos são obscuros lugarejos ou rios na África ou na Ásia, mas outros estão entre os nomes mágicos do circuito requintado: Baden-Baden, Bora Bora, Pago Pago. Em turismo, nome duplo é um luxo!
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