laranja

Mas o que me encuca mesmo, e ninguém até agora soube me responder, é porque as pessoas que recebem montes de dinheiro na sua conta bancária, quase sempre sem o saber, se chamam laranjas? O laranja! Cláudio Moreno, por favor, a palavra é tua! 

Maria Tomaselli

Minha prezada Maria, é muito difícil rastrear a origem de expressões como essa, que parecem surgir trazidas pelo vento. Quase todas as tentativas de explicação terminam caindo em histórias engenhosas e fantásticas, sem a menor base na realidade lingüística. Isso já aconteceu com a tua laranja. Em resposta a um leitor que, como tu, perguntou a razão de chamarmos assim essas pessoas que, sabendo ou não, aparecem como testas-de-ferro em vigarices e maracutaias, um desses “consultórios gramaticais” de jornal veio com a seguinte teoria: na guerra do Vietnã, ficou tristemente famoso o Agente Laranja, herbicida desfolhante utilizado pelos americanos. O tambor de herbicida era laranja, para distingui-lo do tambor de Napalm, cujo efeito incendiário é conhecido por todos. (A esta altura, Maria, deves estar dando tratos à bola para descobrir o que isso teria a ver com os “laranjas” do nosso Brasil dos mensalões e cuecões; espera, que chegaremos lá). Pois conclui a sumidade (cito textualmente): “A nuvem de fumaça. O herbicida produzia uma fumaça amarela. A nuvem vinha na frente dos soldados. Encobria-os. Assim fazem os laranjas da corrupção. Vão na frente. E encobrem o verdadeiro autor de negócios escusos”.

Como vês, não passa de uma peça de má ficção. Para começar, jamais se ouviu falar no uso daquele terrível desfolhante como cortina de fumaça, já que ele era extremamente tóxico também para humanos. Além disso, se fosse verdade, o Inglês, com muito mais razão do que o Português, usaria orange como esse sentido de “testa-de-ferro” — só que lá eles chamam de straw-man, que um dicionário jurídico americano define exatamente como definimos o nosso laranja

“pessoa a quem uma empresa ou um título de propriedade é transferido com o único propósito de esconder o seu verdadeiro dono. Desta forma, o straw-man não tem interesse ou participação real, mas é um mero representante passivo daquele que controla secretamente as atividades.” 

Como nunca encontrei nada fidedigno sobre a origem dessa expressão brasileira, prefiro atribuí-la, conservadoramente, a um dos significados de “laranja” que tanto o Aurélio quanto o Houaiss registram: “pessoa insignificante, sem importância”. Acho que, no início, laranja era usado como usamos o nosso bagrinho. Um cronista de sociedade poderia afirmar, por exemplo, “À festa só compareceram bagrinhos (ou laranjas), sem qualquer expressão social” — gente miúda, sem importância. Daí passou para o jargão policial, com o mesmo sentido de insignificância (“Prendemos três, mas eram todos laranjas”). Não demorou muito, porém (ainda mais no Brasil, em que a corrupção tem mais viço que erva daninha), para se incorporar à figura do laranja uma malícia maior, uma participação mais ativa e consciente do esquema criminoso, uma certa “consciência profissional”. O inocente laranja de outrora passou a assumir, com orgulho, a sua atividade, e posso apostar que muita gente por aí anda se apresentando como “Fulano de Tal, laranja — confiável para qualquer tipo de serviço. Dou referências”. Deve ser isso; se non è vero… Abraço. Prof. Moreno

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