Caro Professor: na contracapa da obra A Prova por Indícios no Processo Penal, da Editora Saraiva, está consignado que a sua autora é “membra” do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Pergunto: o feminino de membro é mesmo membra?
Luiz Carlos V. — São José dos Campos (SP)
1ª RESPOSTA — Meu caro Luiz Carlos: aqui a Saraiva, que é geralmente tão rigorosa na sua editoração, deu uma escorregadela. Membro, ídolo, vítima, carrasco, monstro, etc. são vocábulos que, embora se apliquem a indivíduos de ambos (só dois?) sexos, (1) não têm flexão de gênero e (2) nem aceitam que essa flexão seja assinalada pela troca do artigo que os antecede (com fazemos, por exemplo, com o/a estudante, o/a contratante, os famosos substantivos comuns de dois). “Ele é uma vítima da sociedade”, “Michelle Pfeifer é meu ídolo“, “a mulher dele é um monstro“, “ela é um membro destacado no Parlamento”. Embora a forma membra tenha sido usada antigamente aqui e ali, hoje, no Português atual, não há mais aceitação ela. Abraço. Prof. Moreno
2ª RESPOSTA — Bem, essa foi a resposta que te mandei. Contudo, ao preparar o material para esta página, dei uma percorrida na Internet e encontrei centenas exemplos do emprego de membra. Embora nenhum deles venha de autor respeitado, isso me obriga a repensar o problema. Parece que a forma feminina, que tinha caído em desuso, voltando a ser usado normalmente por uma faixa razoável de falantes, assim como já começa a aparecer, aqui e ali, uma monstra eventual.
Um desses implacáveis “juízes do idioma” que andam por aí poderia dizer que é por pura ignorância; quem conhece um pouco do funcionamento da linguagem, contudo, não pode dizer um absurdo desses. Quando milhares de falantes começam a usar uma forma que nos parece desviante, basta procurar um pouquinho e vamos encontrar suas motivações, não para concordar com elas e segui-las, mas para entender o que realmente está acontecendo. A tendência a dar um feminino para “membro” facilita — e muito — a sua inserção sintática. Permite a confortável concordância no feminino de frases do tipo “ela é A mais idosa membra de nossa comunidade”, “Fulana é uma antiga membra — e bem ativa — do Grupo de Apoio do Paciente”. Eu não gosto disso nem um pouquinho, mas não posso culpar quem prefira escrever dessa forma, pois entendo que para eles soa melhor assim que “ELA é o mais idoso membro de nossa comunidade” ou “Fulana é um antigo membro — e bem ativo — do Grupo de apoio”.
Já conhecemos o desfecho: pode demorar dez anos, pode demorar cem anos, mas o vocábulo se encaminha para se tornar biforme (membro, membra). As pessoas com mais formação e mais leitura vão continuar estranhando esse feminino, mas ele vai ter de ser aceito como alternativa. A mim, particularmente, ele sempre soou e sempre soará muito mal; ele me lembra de um pequeno cineclube de que participei, na Universidade, que era formado de onze homens e uma só mulher — à qual nos referíamos, com um misto de ironia e admiração, como “a membra”. O que era piada hoje está deixando de ser. Abraço. Prof. Moreno