Prezado Professor: sou paulistana, mas moro em Portugal há dois anos. Estranho muito quando as pessoas falam “Há bastantes carros nas ruas?”; “Não, não há nenhuns carros nas ruas”. Como pode existir plural nestes tipos de advérbios? O meu chefe, que é português, já teimou comigo que sou eu quem fala errado! Ora, que eu saiba é redundante colocar plural nestas palavras que expressam quantidade mas que não servem para quantificar em números alguma coisa. Ficaria melhor dizer muitos ou nenhum. Estou certa?
Patrícia C. — Porto, Portugal
Minha cara Patrícia: sinto dizer-te, mas teus colegas estão corretos. Bastante, na tua frase, não é advérbio (se fosse, realmente seria invariável), mas um pronome indefinido. Nós também o usamos assim, com uma única diferença: no Brasil, ele adquire o sentido de “suficiente”: “Tenho razões bastantes para concluir que …”.
Lembro-te que aqui no Brasil se costuma usar, na linguagem coloquial, um bastante invariável que substituiria “muito, muitos, muita, muitas”: “coma bastante fruta“, “tenho bastante livros“, “comprei bastante revistas“. Nossa gramática formal, no entanto, condena essa esquisita substituição de um pronome indefinido variável (“muito”) por um advérbio, o qual, por definição, é invariável.
O nenhuns, que estranhas, é o pólo oposto de alguns; friso mais uma vez que não se trata de um advérbio, mas de outro pronome indefinido. Confesso que soa muito mal, mas não há nada de errado aqui; ocorre apenas que os brasileiros não empregam este pronome no plural. “Conheço alguns restaurantes” é normal, mas “não conheço nenhuns restaurantes” soa esquisito para nós, que preferimos (como tu mesma o fazes) utilizar simplesmente o singular (“não conheço nenhum restaurante”). Lembro-te que muitos escritores usaram esse plural: Alexandre Herculano, Capistrano de Abreu, José Veríssimo, Júlio Dinis, Rui Barbosa, Euclides da Cunha (“O coronel Carlos Teles, em carta dirigida à imprensa, afirmou de maneira clara o número reduzido de jagunços — duzentos homens válidos, talvez sem recursos nenhuns” — Os Sertões), Eça de Queirós (“Ega afirmou logo que em poemas nenhuns corria, como nos do Alencar, uma tão bela veia lírica” — Os Maias), o grande Machado de Assis (“Simples era a mobília, nenhuns adornos, uma estante de jacarandá, com livros grossos in-quarto e in-fólio; uma secretária, duas cadeiras de repouso e pouco mais” — Helena). Hoje, no entanto, nenhuns deixou de fazer parte da língua literária do Brasil, mas, ao que parece, continua vivo aí em Portugal. Ambas as formas estão corretas; é apenas questão de uso e de preferência. Abraço. Prof. Moreno