Prezado Prof. Moreno, eu gostaria de esclarecer a seguinte dúvida: lendo os Sermões do Padre Vieira, notei que este autor faz distinção entre certas palavras que os dicionários dão como sinônimas. Assim, segundo ele, seguir é diferente de acompanhar pois quem segue fica atrás e quem acompanha fica ao lado. Nos dizeres do Pe. Vieira: “Porque quem segue fica sempre atrás, e quem acompanha fica por igual” (Sermões, 21,VI). Salvo engano meu, há diferença também entre portar e levar; portar daria idéia de algo com peso, idéia não transmitida pelo verbo levar… Por que os dicionários não trazem tais diferenças?
José Ricardo C. — Marília (SP)
Meu prezado José Ricardo: em primeiro lugar, parabéns pela leitura de Vieira, um dos escritores que melhor soube explorar a riqueza do nosso idioma. Há muito eu fiz dele um companheiro inseparável, e o danado sempre me surpreende com a sua inimitável mistura de simplicidade e sutileza. O exemplo que pescaste nos Sermões é significativo: Vieira recusa-se a atribuir valor idêntico a dois vocábulos diferentes e sai no rastro de seus significados particulares. Fazes bem em perguntar: se ele fazia isso no século XVII, por que os dicionários atuais não fazem isso? Na verdade, a maior parte dos dicionários de sinônimos se limita a listar os vocábulos que têm mais ou menos o mesmo significado, silenciando sobre suas diferenças. Por esse pecado, no entanto, recebem o justo castigo: o leitor os considera inúteis, e eles mofam nas prateleiras dos sebos.
Desde a Idade Média, no entanto, há dicionários que tratam de distinguir entre os diferentes sinônimos; encontrei menção a um autor grego tardio, Amônio, que escreveu, nos princípios da Era Cristã, uma obra intitulada Da Diferença das Palavras Semelhantes! Os sinônimos do Inglês, do Francês e até do Português já foram objetos de estudos similares; só dicionários desse tipo podem ser de alguma valia para quem escreve. Mesmo que algumas dessas distinções sejam subjetivas, fruto das concepções do dicionarista, é sempre produtivo acompanhar o esforço que o autor faz para defini-las. O modelo clássico, em Português, é o Roquete (Dicionário de sinônimos. Porto, Lello, s.d. 890 p.); no Brasil, há um dicionário similar do Antenor Nascentes (viva ele, que tanto fez pela nossa Lexicografia!), editado pela Nova Fronteira. Para te deixar mais consolado, reproduzo dele os seguintes exemplos:
DESCULPA, ESCUSA, PERDÃO – Desculpa é a razão apresentada para livrar de uma culpa. Quando reconhecemos que procedemos mal com alguém, pedimos-lhe desculpa. Escusa é a razão pela qual se explica por que não se pode fazer o que nos pedem. Perdão é a remissão da pena, castigo, em que se incorreu.
BRANDO, MACIO, MOLE, TENRO – Brando (mais usado em sentido moral do que em sentido material) é aquilo que cede facilmente ao tato, à pressão, conservando contudo certa consistência. Macio é o que, além de mole, é agradável ao tato, como se dá com uma almofada de penas, por exemplo. Mole é o que cede à compressão sem desfazer-se, por ter substância no seu interior. Uma bexiga cheia de ar, por exemplo, é branda mas não é mole. Um pêssego bem maduro é mole. Tenro é o que se mostra mole por sua condição de recente: madeira tenra.
MATINAL, MATUTINO – Matinal quer dizer da manhã, que se faz pela manhã, que sucede de manhã: refeição matinal, passeio matinal. Matutino se refere às primeiras horas da manhã, ao alvorecer, ao amanhecer. Estrela matutina, “a matutina luz” (Camões).
Depois do Acordo: idéia > ideia