Caro Professor Moreno, como transcrever onomatopéias? Por exemplo, quando alguém fala do chiado provocado pelo escape dos gases comprimidos nas latas de cerveja, devemos grafar tchiii, txiiiii, ou xiiiiii, ficando o número de Is à vontade do freguês? Há uma norma ou é o uso que fixa o padrão, como é o caso de pingue-pongue, zunzum, etc.?
Cláudio V. — Brasília
Meu caro Cláudio, não existe uma forma padronizada para representar, por meio de fonemas, os sons que os seres vivos ou os objetos produzem. Se mergulhares no mundo das histórias em quadrinhos — principalmente as que foram desenhadas entre 1940 e 1970 — vais encontrar um sem-número de versões para as mesmas onomatopéias. Os tiros, por exemplo, vão desde o prosaico “pum”, passando por “pow”, “pam”, “crack”, “bang”, “bangue”, “blang”, até o espetacular tiro de alto calibre de Nyoka, a rainha da selva, que fazia “kapow, kapow”, sugerindo o eco longínquo nas savanas da África. Como cada um de nós percebe os sons de maneiras diferentes, as tentativas de reproduzi-los por meio de fonemas — que sãu usados especificamente para representar a linguagem humana, e não o som das coisas — são apenas aproximativas. Há estudos acadêmicos sobre isso (a forma como a língua representa os sons dos animais, por exemplo, constitui um riquíssimo campo de pesquisa), mas nunca se chegará a um sistema de regras para a sua transposição.
Exatamente por essa indefinição, determinadas formas vão sendo consagradas como convenção coletiva, cristalizando-se em vocábulos estáveis. Para os falantes do Português, o relógio faz tique-taque, e pronto — embora nenhum de nós possa determinar quando ele está fazendo tique, quando está fazendo taque; há línguas em que os relógios fazem tic-tic. O pingue é quando a bola vem, o pongue é quando a bola vai? Aquele som que fazemos, principalmente de repreensão, aspirando o ar (é um dos raríssimos sons que nosso aparelho fonador produz por ar aspirado, e não expirado), com a ponta da língua encostada atrás dos dentes, aparece como tisc-tisc ou tsc-tsc; embora não se assemelhe em nada com o verdadeiro som que produzimos, entendemos do que se trata, e pronto. E assim por diante. Isso não constitui um defeito ou uma carência de nosso idioma, cujo sistema fonológico está perfeitamente aparelhado para representar os sons significativos (ligados à semântica), mas não os sons naturais. Abraço. Prof. Moreno
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